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O desafio da televisão em tempo real

Pesquisas do Ibope apontam para queda generalizada de audiência da TV Aberta. Os chefes das redações de jornalismo das principais emissoras quebram a cabeça para lidar com a concorrência das novas mídias e para encontrar um novo modelo capaz de dar sobrevida aos telejornais locais. A interatividade, com responsabilidade, toma conta do debate como um dos possíveis mecanismos para estancar a queda de audiência.

 

            O desinteresse pelo formato do jornalismo televisivo atual e a vida corrida de Victoria Vecchi Ruiz, de 21 anos, levaram a universitária a deixar de acompanhar os telejornais locais das emissoras de televisão aberta. Desde que se mudou para uma república em Niterói, onde cursa faculdade, há três meses, Victoria passou a consumir informação por meios online e não mais pela TV. O caso da estudante de Engenharia Civil entra para as estatísticas do Ibope, que aponta para uma queda de audiência nos noticiários das quatro principais emissoras do Rio. Para segurar o público, Globo, SBT, Record e Band têm o desafio de conquistar a preferência de um telespectador que dispõe de outros meios para saber o que ocorre ao seu redor. Investir em interação e conteúdo exclusivo podem ser algumas das saídas, de acordo com os chefes de jornalismo das grandes mídias.

            Dados consolidados do Painel Nacional de Televisão (PNT), medido nas 15 maiores regiões metropolitanas do país, mostram que, desde 2010, todas as emissoras abertas, exceto o SBT, perderam pontos de audiência. O canal de Silvio Santos registrou crescimento, passando de 4,7, em 2010, para 4,9 pontos em 2015, aumento de 4%. A Rede Globo, que ainda lidera o ranking, caiu de 14,6 pontos, em 2010, para 12,4 pontos, em 2015, uma queda de 16%. Já a Rede Record passou de 5,7 pontos, em 2010, para 4,4 pontos cinco anos depois, queda de 23%. A Rede Bandeirantes, por sua vez, caiu de 1,8 ponto para 1,5 ponto, uma diminuição de 16,6% na frequência de telespectadores.

           O diretor de jornalismo do Grupo Bandeirantes de Comunicação, Rodolfo Schneider, reconhece que a televisão vive um momento desafiador diante da queda de audiência e da concorrência de outros meios de informação. Para driblar os números ruins, Rodolfo sugere um jornalismo mais informal, mas sem perder a qualidade do produto oferecido.    

           — As TVs a cabo estão cada vez mais baratas, tem também o Netflix, o Now, onde você pode comprar o programa e assistir a hora que quiser. A concorrência aumenta, o que obriga a televisão aberta a tornar seu produto relevante. O conteúdo do telejornal tem que ser cada vez mais importante e tem que passar credibilidade, porque há uma profusão de meios de comunicação. O desafio do jornalismo é construir um noticiário bom, com análise, crítica e saber interagir com as diferentes plataformas — afirma.

         Criar uma sinergia com o público que está em outras telas é o mesmo pensamento do editor-chefe de Projetos Especiais da TV Globo, Marcelo Moreira. Embora admita que com o passar dos anos a televisão vem perdendo audiência para outras mídias, Marcelo acredita que internet e TV podem se complementar:

        — A pessoa pode ver televisão e estar na internet, isso acontece muito. Então, podemos fazer com que ela esteja na internet falando de você na televisão. Como forma de interatividade, as mídias sociais são uma ferramenta que podem ser um complemento para a mídia TV.

        A Pesquisa Brasileira de Mídia de 2015 mostrou que 95% dos entrevistados veem TV e que 73% têm o hábito de assisti-la diariamente. Em média, durante a semana, os brasileiros passam 4h31min por dia expostos ao televisor, enquanto nos finais de semana esse número cai para 4h14min. A editora-chefe do Balanço Geral Rio, da Rede Record, Lise Chiara, revela que a emissora, aproveitando o fato de a televisão ainda ser o meio de comunicação de maior alcance, está modificando, aos poucos, sua linha editorial para atender a um público diversificado.

        — Ainda acho que a TV é o caminho de informação para a grande massa da população. Eu sei que a internet já está em todas as camadas sociais e que compete com os meios de comunicação tradicionais, mas a televisão ainda tem maior amplitude. A Record já teve uma época em que focava muito em polícia, hoje a gente está diversificando isso justamente para atender a diversos interesses do público.     

        Telejornal local de segunda maior audiência na capital, o SBT Rio comemora os bons números no Ibope. O noticiário registrou média de 6 pontos de audiência no mês de maio deste ano contra 5,6 da Record, terceira colocada, na faixa de 12h às 12h50. A receita para a vice-liderança no horário, segundo o editor-chefe do telejornal, Humberto Nascimento, é investir em entradas ao vivo e em reportagens exclusivas e bem produzidas.

       — Não adianta a gente disputar num jornal de meio-dia o que os onlines já estão bombando desde 7h da manhã. O noticiário tem que ser novo. Às vezes, a gente tem várias matérias espelhadas e derruba tudo em função do ao vivo que está rendendo, porque é uma notícia mais fresca, mais quente. O ao vivo hoje representa praticamente 60% do nosso noticiário. E aqui a gente “bate” muito no exclusivo. Não interessa o que saiu nos onlines, interessa só pra balizar. Se eles têm, a gente tem que ter também, mas eu não quero só retransmitir ou me pautar por esses sites. A gente cava as nossas próprias pautas, especiais, exclusivos — exalta Humberto.

         A antropóloga, comunicóloga e professora do Departamento de Comunicação da PUC-Rio Tatiana Siciliano, que estuda as práticas de entretenimento e consumo na televisão, relaciona os números negativos das TVs abertas com uma mudança global no telejornalismo, já que o público está consumindo notícias cada vez mais longe da televisão. A TV, agora, disputa espaço com outras telas, como tablets, celulares e computadores. Em levantamento do Instituto Kantar Media, do Ibope, também de 2015, 77% dos entrevistados afirmaram ter acesso a duas telas, 7% a mais do que em 2012. Já 40% disseram conectar-se a três telas diferentes, nas mais diversas combinações, ao passo que em 2012 esse número não passava de 15%.

         De acordo com a professora, o avanço das multiplataformas se deve também ao imediatismo da notícia: todo mundo quer ser o primeiro a saber e o primeiro a comentar. Para isso, os usuários se utilizam do meio de comunicação mais rápido para expressar o que está acontecendo naquele instante. Tatiana entende que os produtos oferecidos pela televisão, neste caso os telejornais, exigem que o público permaneça em frente a um aparelho eletrônico para consumir informação, o que na vida corrida nem sempre é possível.

        — Se você está se deslocando, vai encontrar a informação no celular, no site do G1, no site da Folha de S. Paulo, por exemplo. O telejornal precisa que você esteja totalmente disponível para assisti-lo. Ele demanda que você esteja em algum lugar que tenha TV — ressalta.

 

       Em proporção menor, a especialista também destaca a carência de credibilidade dos grandes grupos de mídia frente ao atual cenário político do país. A falta de imparcialidade na cobertura dos veículos mainstream incomoda os telespectadores, que migram para portais alternativos a fim de se informar, acarretando na diminuição dos níveis de audiência das emissoras.

        A credibilidade questionável dos telejornais, aliás, também foi um dos motivos que levou Victoria a tomar a decisão de se informar por outros meios. A ausência de bom conteúdo, a má qualidade e o horário dos jornais na TV contribuíram para que a estudante deixasse o controle remoto de lado e privilegiasse outras telas.

         — A má qualidade dos telejornais me desmotiva. Não temos bons jornais, e, os que tenho ciência, além de ruins, são transmitidos em horários péssimos. Para mim, o jornalismo praticado hoje é tendencioso, mas acredito que tendo discernimento e acompanhando mais de uma fonte de notícia, seja televisiva, impressa, etc, é possível construir uma opinião sólida — julga.

 

Os estudos e a desarmonia de Victoria com o formato atual do telejornalismo levaram a universitária a se informar por outros meios, que não a televisão

 

Interatividade como saída

          Aumentar a participação do espectador, fazendo com que ele se torne um ativo de informação e não apenas um receptor dela, foi uma das saídas encontradas pela mídia tradicional para frear a queda de audiência dos telejornais. Antes mesmo do boom do WhatsApp, o RJTV, da Rede Globo, desenvolveu o quadro Parceiros do RJ, em que moradores de comunidades de diferentes bairros do Rio faziam reportagens sobre seus bairros e mostravam, na grande mídia, os problemas que enfrentavam localmente. O Projeto sobreviveu por dois anos e, hoje, o RJ recorre a outras estratégias para manter contato direto com o telespectador. 

          Além da divulgação do número do WhatsApp, para que moradores, pedestres e motoristas enviem mensagens, fotos e vídeos do que consideram notícia, o telejornal da Rede Globo mantém o quadro RJ Móvel, no qual a equipe de reportagem da emissora cobra soluções para problemas dos bairros. Para Marcelo Moreira, os noticiários televisivos não podem perder de vista a participação do público: 

          — As emissoras hoje fazem um acompanhamento muito próximo do que está sendo falado [na internet], porque essa é a sua pesquisa. Às vezes, levávamos um, dois anos para saber o que o público estava falando da gente, hoje fazemos isso em tempo real. Não se faria televisão hoje se não fossem a internet e as mídias sociais. Em potencial, todo mundo que tem um smartphone pode produzir um vídeo. Há 20 anos, isso não existia.

           Rodolfo Schneider, do Grupo Bandeirantes de Comunicação, considera os aplicativos de mensagens instantâneas fundamentais para a estruturação do jornalismo diário. De acordo com ele, não há ninguém melhor do que o próprio público, que presenciou o episódio, para relatar um acontecimento. Se, ao contrário, a informação fosse transmitida por um profissional da imprensa que não esteve no local, este, certamente, segundo Rodolfo, tenderia a reproduzir o que foi dito pelas fontes oficiais.

          — As pessoas querem participar, querem interagir, pautar. Elas querem ser ouvidas. Quem melhor do que elas próprias, que viram a história, para entrar ao vivo, no caso do rádio, por exemplo, explicando o que aconteceu? O jornalista demora a chegar ao local ou então, quando chegou, não viu tudo. Então, deixa quem viu falar — defende o diretor de jornalismo.

         Se antes os jornalistas precisavam correr atrás das chamadas notícias factuais que aconteciam na cidade, agora o profissional precisa lidar com o volume de informações recebidas diariamente nas redações das emissoras. O diretor de jornalismo da Band sustenta que o jornalista precisa adotar métodos de filtragem das mensagens que chegam através das redes sociais. Mesmo assim, ele destaca o comprometimento do público com a informação e compara o telespectador às fontes mais confiáveis que todo repórter têm:

        — Tem ouvinte que é fiel. Claro que algumas vezes ele pode se equivocar, todo mundo erra, mas 99,9% o ouvinte dá a notícia em primeira mão e damos aquela informação antes de todo mundo. Não é exploração do público. Eles querem participar, demonstrar indignação ou informar algo a terceiros. Por que não podemos servir de porta-voz para essas pessoas? Não tem por que abrir mão de algo tão elementar quanto o público que está na rua.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Os quatro editores-chefe dos telejornais locais de maior audiência no Rio. Do canto superior esquerdo para a direita: Marcelo Moreira, da Rede Globo, Humberto Nascimento, do SBT, Rodolfo Schneider, do Grupo Bandeirantes, e Lise Chiara, da Rede Record (à direita na foto)

       

         A aposentada Zilda Medeiros, de 76 anos, administra um Centro Espírita na Gardênia Azul, comunidade da zona oeste do Rio, e vê televisão diariamente. Para ela, os jornais são a sua principal fonte de informação. Telespectadora assídua de ambas as edições do RJTV, além de outros jornalísticos da Rede Globo, a aposentada conta que se informa praticamente só pela TV aberta.

         — De vez em quando vejo filmes, mas prefiro saber das notícias. Se a gente não se informa, não consegue conversar. O jornal me faz pensar, refletir e questionar algumas coisas. Para mim é um exercício para manter a mente ativa e faz com que eu me sinta mais cidadã, porque participo de tudo que acontece na cidade, mesmo que seja de longe — esclarece.

         Além de assistir, dona Zilda tenta colaborar com a mídia tradicional, enviando informações sobre problemas da comunidade e do bairro onde mora. Para ela, o canal aberto das TVs com os telespectadores é um serviço essencial para ajudar na melhora da realidade dos moradores da cidade:

         — Aqui tem muitos problemas que são esquecidos pela prefeitura. Quando passa a circular na mídia, a coisa muda. Não é sempre que consigo enviar alguma notícia ou reclamação, mas muitas pessoas que frequentam o Centro enviam sempre.

          Lise Chiara vê bom bons olhos a interatividade entre público e jornalista, proporcionada pela internet. Ela aposta no monitoramento das redes sociais para saber como os usuários estão se posicionando, no que estão interessados, e para descobrir quais assuntos estão em debate ou causam polêmica na rede. De acordo com Lise, os casos que ecoam da internet podem ser repercutidos na televisão para conquistar a audiência do telespectador. Mas a editora-chefe do Balanço Geral estabelece critérios: o cidadão colabora, e o jornalista recebe a missão de avançar diante da informação recebida.

         — Acho que a diferença que a gente tem que estabelecer é que o cidadão vai fazer um registro do fato. Ele está sendo parceiro na elaboração da notícia, mas ele não está produzindo a notícia. O jornalista recebe aquele registro e tem que cumprir seu papel: apurar, trazer conteúdo pra aquilo, ouvir todos os lados envolvidos, adotar critérios. Ele vai transformar aquilo em uma reportagem. Isso é bom para o jornalista, mas também para o cidadão, que se sente mais envolvido na informação. Eu vejo essa interatividade como parceira, e não como adversária — opina Lise.

        O funcionário público Everton Gregório Lopes costuma enviar fotos, vídeos e denúncias para o WhatsApp das TVs abertas. De tanto insistir, ele conseguiu transformar a denúncia de falta d’água em sua rua, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio, em uma reportagem da TV Record. Satisfeito com o resultado, ele exalta a televisão como um importante instrumento para resolver os problemas das comunidades, mas reclama das vezes em que não recebeu retorno de mensagens enviadas às emissoras:

         — Já tinha ido diversas vezes na Cedae para reclamar que na minha rua não tinha água e eles disseram que não havia previsão para a instalação de uma rede. Mandei um WhatsApp pra Record e eles vieram aqui. Rapidamente, eles [a Cedae] resolveram o problema. A televisão é o único meio que nós temos de conseguir alguma coisa, mas já tive outros problemas e não fui atendido.

         A professora Tatiana Siciliano reforça a tese de que os veículos de comunicação tradicionais estão se reconfigurando e abrindo espaço para uma maior participação do espectador. Mas, para ela, ainda há uma estrutura engessada na televisão que dificulta a prática de um jornalismo plenamente participativo.

        — A interatividade é essencial hoje. Cada vez mais a participação do cidadão comum é importante, ele mostra o que uma grande emissora muitas vezes não vai poder mostrar por conta de uma estrutura engessada de pauta e de critérios que regem aquele veículo. Na minha visão, o mais importante para o profissional é consumir informação de diferentes meios de uma forma crítica para ter a capacidade de se adaptar e até propor um novo modelo. A gente vive uma transformação, ainda não temos um modelo definido. Fato é que uma apuração bem feita, a busca pela notícia e a elaboração de textos não morrem com o advento da mídia digital — pondera a especialista.

            Na contramão dessa tendência, o editor-chefe do SBT Rio vê com cautela o jornalismo participativo. Humberto lembra que o noticiário levava ao ar comentários do público no ar, até que opiniões infelizes, segundo ele, foram exibidos por descuido da emissora. O episódio foi o estopim para que Humberto limitasse a interatividade.

           — Tem que ter um cuidado. É complicado “pegar” a informação de um morador que ligou pra cá e falou que a UPA da Penha está um inferno e colocar no ar. Depois, quando chego lá, não é nada disso. Você tem que filtrar. Tem muita informação errada e às vezes não tem como checar. Eu acho a interatividade no jornalismo perigosa — avalia.

          Os quatro jornalistas-chefes das emissoras de melhor audiência do Rio, entretanto, são unânimes ao ressaltar que a televisão aberta continuará tendo seu espaço entre os meios de comunicação. A nova realidade, ainda nebulosa, exige das grandes mídias adaptação e reflexão para que, diante dos passos dados pelo advento da internet, possam se renovar e observar a formação do novo mapa da comunicação no país. Os editores-chefes de Band, Record, SBT e Globo compactuam da importância da checagem e da relevância de se preservar a essência do jornalista, que são o debate crítico e a produção de reportagens elaboradas. Desse modo, acreditam eles, será possível garantir a sobrevivência do jornalismo não apenas audiovisual, como também o próprio ofício da profissão.

Bruno Tortorella 

Camila Marins

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