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DECLARAÇÕES DE INDEPENDÊNCIA

Os desafios do jornalismo alternativo para se manter autêntico e viável

A expressão “jornalismo independente” é muito conhecida, usada, disseminada e idealizada, porém é justamente sua versatilidade que a vem tornando difícil de definir com precisão. Se é que ela existe. Mesmo para alguns que o praticam, esse termo é duvidoso. Agostinho Vieira, fundador do Projeto Colabora, um desses veículos considerados “independentes”, pondera que não concorda com o termo:

— Quando se diz que tem um grupo de mídia independente, quer dizer que existe uma mídia dependente. É a grande mídia? Tem muita coisa boa na grande mídia também. Acho essa definição muito preta e branca, e não gosto de nada preto e branco, principalmente no jornalismo. Eu não divido em dependente e independente, divido entre bom e mau jornalismo.

Mas, independentemente do nome que se prefira dar, o fato é que o tipo de jornalismo praticado pela Agência Pública, pelo Projeto Colabora e pela Ponte Jornalismo está mudando o mercado, tanto para os profissionais como para os leitores. Os três veículos se encontram na internet, assemelhando-se devido aos propósitos mais restritos do que as mídias tradicionais, uma vez que investem em reportagens mais segmentadas do que as de costume. Ao mesmo tempo, por ser tratar de­ mídias criadas na estrutura da internet, podem se dar ao luxo de aprofundar as informações com textos longos, além de, por vezes, articularem-nas entre mídias sociais com vídeos, fotografias etc.

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A Agência Pública foi criada em março de 2011 pelas jornalistas Marina Amaral, Natália Viana e Tatiana Merlino. A página desenvolve matérias extensas e as disponibiliza gratuitamente para que qualquer veículo possa reproduzi-las. No site, o leitor é avisado de que os “principais eixos investigativos são: os impactos dos megaeventos esportivos; tortura e violência dos agentes do Estado; megainvestimentos na Amazônia; crise urbana; e empresas e violações de direitos humanos”.

Tal foco pode ser observado nas reportagens do veículo: com a aproximação das Olimpíadas, as questões envolvendo os jogos têm servido para diversas pautas, por exemplo. Títulos como Olimpíada? Não, obrigado e Altair enfrenta a terceira remoção da vida pelas Olimpíadas demonstram que a agência tenta observar esse tipo de evento com um olhar diferente, mais crítico do que o de boa parte da mídia tradicional, de acordo com Marina Dias, coordenadora de Comunicação da Agência Pública.

— O nosso negócio é denunciar as violações de direitos humanos, de quem quer que seja. Por isso, denunciamos também quando esses direitos são violados em um evento da magnitude das Olimpíadas.

Além das reportagens, a Pública criou o primeiro Centro Cultural de jornalismo no Brasil: a Casa Pública, no Rio de Janeiro, que receberá palestras, cursos e mais atividades. Ela também tem como missão “fomentar e fortalecer o jornalismo independente” e, para isso, chega a encubar outros projetos.

Um desses projetos é a Ponte Jornalismo, lançada em junho de 2014 por uma equipe de jornalistas experientes e com passagens por algumas das principais redações do país. O foco do veículo é ainda mais restrito, porém não menos importante: na pauta, questões de segurança pública, justiça e direitos humanos. “Queremos dar visibilidade a questões que passaram a ser omitidas pela mídia comercial, contar histórias que não estão no dia a  dia, levar à sociedade informações sobre o que está silenciado e encoberto”, pode-se ler na página da Ponte. Luiza Sansão, repórter de lá, acrescenta:

— A Ponte surgiu justamente da percepção de jornalistas experientes vindos da grande mídia e de alguns ainda jovens da necessidade de se criar um canal para dar visibilidade às graves violações de direitos humanos praticadas pelas forças de segurança do Estado brasileiro, que não tinham e não têm nos grandes veículos de comunicação a cobertura merecida. Então, acredito que a diferença entre o nosso trabalho e o da grande mídia resida, sim, na escolha de pautas, mas, sobretudo, na abordagem.

A descrição, além de apresentar o site e o foco, também mostra a visão de seus membros sobre a mídia tradicional, a começar pelo modo como ela é chamada (“mídia comercial”). Para muitos leitores, isso já indica que a visão da Ponte acerca desses veículos é que seu interesse maior é a audiência e, especialmente, o dinheiro. André Buarque, estudante de jornalismo e leitor contumaz do site, avalia que assuntos abordados pela tal “mídia comercial” não são aqueles que servem à população em geral, mas sim os que servem aos seus donos:

— Acho que o trunfo da Ponte é dar essa alternativa, mostrar que tem mais coisa do que esse monopólio de informação que existe hoje, ainda mais com a internet abrindo esse espaço. Eu sempre procuro consumir um ponto de vista diferente. Acho que todos sempre devem buscar narrativas distintas a respeito das notícias, e a Ponte nos oferece isso perfeitamente.

Já para o Projeto Colabora — inaugurado no fim de 2015 por Agostinho Vieira, Liana Melo e Valquiria Daher, egressos do jornal O Globo —, “o grande objetivo é incentivar empresas, governos e, principalmente, o cidadão comum a explorar certos recursos naturais que têm sido pouco usados nos dias de hoje. Como a criatividade, a tolerância e a generosidade. Se isso for feito, correremos um risco muito sério de construir uma sociedade diferente”. Uma demonstração desse olhar distinto do Colabora é o modo como as notícias são categorizadas. Agostinho explica que, enquanto na maioria dos veículos tradicionais as divisões são feitas em tópicos como Política, Economia, Cidade e afins, o Colabora tem em sua seção Temas, campos como Água, Clima, Consumo, Economia Colaborativa, Economia Verde, Florestas e Saneamento.

— Quando o ministro da Fazenda anuncia que reduzirá o IPI para aumentar a venda de carros, os repórteres de jornais tradicionais não perguntam o efeito que isso terá na emissão de CO2 e o impacto ambiental que isso trará. Um repórter do Colabora sempre fará essa pergunta. Nós pensamos, talvez ingenuamente, que o mundo pode ser um lugar melhor do que é. Tentamos usar nosso projeto para melhorar o mundo.

 

A fim de compensar a restrita quantidade de repórteres e infraestrutura, os três veículos apostam em modelo de produção diferente: menos reportagens, porém mais profundas. A Agência Pública é o maior exemplo disso: publica entre uma ou duas reportagens por semana, incluindo matérias próprias e as traduzidas do estrangeiro. Já o Colabora lança entre duas e três por dia; seu fundador já disse que a prática é intencional, pois, segundo ele, “já há informação demais na internet”. A produção da Ponte é parecida com a do Colabora: em média, duas ou três matérias por dia. O ritmo é quase artesanal. Segundo Marina, na Pública, as reportagens costumam, desde a sugestão de pauta até a publicação, levar de um a dois meses para serem publicadas.

Todos os três sites são ativos no Facebook: o Colabora tem 24.010 curtidas, enquanto a Ponte tem 44.745 e a Pública tem 133.334. São, naturalmente, números menores do que os de veículos tradicionais como a Folha de S. Paulo (5.562.162) e o jornal O Globo (4.819.787), mas os índices são proporcionalmente maiores nas agências independentes, com base no alcance de cada veículo. O público dos sites independentes é também muito diferente daquele dos veículos tradicionais. O Colabora — que é o mais transparente com seus números, publicados mensalmente no site — tem entre 60 e 70% da sua audiência originadas do Facebook. Além disso, para a surpresa de Agostinho, 61% dos seus leitores têm entre 18 e 34 anos.

 

André Buarque aponta que, como leitor da Ponte, prefere a dinâmica das redes sociais ao impresso, tanto na mídia independente como na tradicional:

— Sempre leio no meu feed, do Facebook, do Twitter, do que seja. Prefiro que eu mesmo escolha as fontes que quero seguir, selecionando e criando meu próprio meio, quer dizer, um apanhado dos veículos em que confio. E posso compartilhar rapidamente, comentar, atingir mais pessoas. Acho que as redes sociais ajudam nisso: atingem mais pessoas e as ajudam a fomentar mais discussão ainda com a repercussão.

 

Um dia, Agostinho Vieira sentou-se para conversar com um dos jornalistas de mais prestígio da sua geração, Marceu Vieira. Queria uma reportagem de impacto, que gerasse repercussão para o site. Decidiram-se: Marceu e a fotógrafa Marizilda Cruppe iriam para o Pará por cerca de dez dias para fazer uma grande matéria sobre a usina de Belo Monte. O resultado foi uma série de seis reportagens que elevaram o número de acessos do site. Marceu, que já trabalhou em veículos como O Globo, Veja,

Jornal do Brasil, Época, O Dia e Tribuna da Imprensa, reflete sobre a possibilidade de fazer um trabalho como esse, hoje, em uma grande empresa:

 

— Certamente seria muito difícil. Não só pela liberdade de contar a história sem amarras, mas também pelo investimento que foi necessário. Os jornais cada vez economizam mais. Eu fiquei lá uns doze dias, e dificilmente os jornais grandes me mandariam para lá.

A redução das grandes reportagens nos veículos tradicionais e a possível “migração” delas para veículos independentes na internet causa intriga nos observadores do mercado. Marceu analisa o porquê das grandes empresas, que têm mais recursos, mais repórteres e mais infraestrutura, realizarem tão pouco esse tipo de reportagem:

— Elas também são as que têm mais despesas. Além disso, a burocracia é grande: você pede uma viagem que precisa ser aprovada pelo seu chefe, depois pelo financeiro, e por aí vai.

Agostinho — que fez uma carreira na grande mídia, começando como estagiário da Infoglobo e chegando ao cargo de diretor — também vê o lado financeiro como soberano:

— O mercado jornalístico hoje está em uma crise gigantesca, com demissões em massa e reduções no número de vagas. Crise da qual nós não sabemos como sair. Nesse cenário, é natural que se reduza esse tipo de projeto.

Ambos, entretanto, veem que existe demanda para esse tipo de jornalismo.

— A demanda pelo diferente, pelo outro olhar, sempre existirá. Não tenho dúvida disso — afirma Marceu.

Agostinho é mais analítico:

— Não se pode fazer jornalismo apenas por pesquisas de opinião. Se fosse assim, todos os jornais seriam populares e só falariam da Vera Fischer. Mas, de qualquer forma, eu acho que o projeto certo encontra seu público. No Colabora, as grandes reportagens têm bons acessos, mas às vezes uma história pequena, do cotidiano, também tem uma audiência grande.

Uma dessas histórias pequenas foi a da árvore de natal construída anualmente na Lagoa Rodrigo de Freitas. O próprio Agostinho apurou, com base em informações disponibilizadas a todos pelo Bradesco e algumas entrevistas em off, que o valor gasto no projeto seria suficiente para despoluir a Lagoa no mínimo duas vezes.  A reportagem “bombou” no Facebook, e mostra o tipo de reportagem que atrai o público do Colabora: as que falam de assuntos diferentes, ou então de assuntos muito falados por uma ótica distinta.

Chico Otávio, repórter especial do jornal O Globo, ressalta que as mídias tradicionais e com mais infraestrutura ainda têm o seu valor, e conseguem fazer reportagens que podem ser inviáveis para os veículos independentes.

— Hoje, como o crime financeiro é extremamente sofisticado, cada vez mais, e envolve inclusive contas em paraísos fiscais mundo afora, a investigação jornalística também tem de se sofisticar. E isso envolve deslocamento, produção de documentos que muitas vezes envolvem cartórios públicos. Essa sofisticação é algo que eu acho que essas experiências alternativas ainda não têm.

Ele acrescenta um ponto cada vez mais presente no jornalismo investigativo, o lado judicial.

— Muitas vezes, as reportagens resultam em ações na Justiça. E aí, quem vai te defender? Um exemplo é o jornal curitibano que está sendo processado por magistrados de todo o Paraná e precisa se deslocar para ir às audiências. Essas são questões que me fazem acreditar que ainda não conseguimos encontrar uma forma alternativa para uma investigação jornalística que ultrapasse as fronteiras da imprensa tradicional.

O financiamento é a grande interrogação de todo esse debate, e de todo o futuro da mídia. A forma como tanto os veículos tradicionais quanto os independentes vão conseguir se manter é essencial. E a verdade é que ninguém encontrou uma resposta, comenta Agostinho.

 

— Essa é a pergunta de um milhão de dólares. O consumo de informação passou em grande parte dos veículos tradicionais para a internet, mas os anúncios não se transferiram na mesma proporção. Hoje, quem realmente ganha dinheiro na internet são os grandes grupos internacionais, como Google e Facebook.

Enquanto os grandes grupos mantêm o foco em anúncios e vendas, os independentes procuram fontes alternativas para se sustentar. O crowdfunding tornou-se um meio importantíssimo para que eles arrecadem fundos. Amanda Prado, estudante de jornalismo que contribuiu para um dos financiamentos coletivos da Pública, afirma que sente fazer parte de algo maior:

— A vontade de contribuir vem muito porque acredito no projeto e nas pautas que eles desenvolvem, acho que as sacadas são muito boas, com profundidade, relevância, e são muito bem desenvolvidas. São reportagens importantes que não estão na agenda dos grandes veículos, de uma forma geral, infelizmente. Então acho muito válido contribuir para que continuem atuando.

A Agência Pública fez duas arrecadações com o nome “Reportagem Pública” em 2014 e 2015. A primeira conseguiu R$ 58.935 em 45 dias; a segunda, R$ 70.200. O diferencial da Pública é que ela oferece a seus doadores a possibilidade de influenciar nas pautas desenvolvidas — os repórteres fazem sugestões e os doadores escolhem entre elas. Apesar da fama do crowdfunding, a fonte de renda principal da Pública vem de Fundações, além de reportagens que envolvem segurança pública.

— A Fundação Ford financia a existência do site. Temos também o apoio da Omidyar Network e da Open Society, que financiam determinados projetos propostos por nós — esclarece Marina, da Pública.

A Open Society pertence ao bilionário investidor George Soros, enquanto a Omidyar tem como seu idealizados um dos fundadores do site eBay, Pierre Omidyar. Já o Colabora tem quatro formas de arrecadar recursos: patrocínio — há um em vigor, da Coca-Cola, e outros sendo negociados —, crowdfunding — em menor escala do que a Pública, embora haja um projeto maior sendo planejado —, apoio de fundações e a organização de eventos — tem feito cerca de quatro por ano.

A Ponte é apoiada pela Pública, e funciona dentro da redação desta, em São Paulo. Em termos de financiamento, ainda está tentando se encontrar. Luiza defende que, mais do que pensar na viabilidade instantânea, a prioridade é seguir os preceitos que movem o grupo, de modo que, consequentemente, os resultados encontrarão por si uma forma de sustentar a iniciativa, a fim de melhorá-la.

— Somos um grupo que nasceu com uma missão jornalística: a de dar o máximo de visibilidade a uma realidade de violência cotidiana praticada pelo Estado contra a população pobre e preta das periferias, que não é conhecida como deveria. As outras questões vieram posteriormente. Todos nós desejamos que a Ponte tenha dinheiro, não para obtermos lucro com o projeto, mas para que ele seja sustentável e tenha continuidade. Ainda estamos nos preparando para isso.

 

Todas essas formas de financiamento são nitidamente diferentes dos veículos tradicionais, que ainda dependem majoritariamente de anúncios comerciais e assinantes. Para Chico Otávio, essa busca por meios de se manter ainda não acabou.

— Como se sustenta um projeto desse? Se for com publicidade, é preciso conquistar o anunciante. Caso seja com dinheiro público, o receptor se torna comprometido. A cultura do crowdfunding ainda não está muito estabelecida no Brasil. Pode ser por meio de fundações internacionais, mas até quando haverá essa dependência? Eu ainda acho que essa forma capitalista do processo jornalístico, com venda de espaço publicitário, ainda é a mais salutar, desde que não haja um vínculo de dependência — pondera.

Agostinho Vieira, fundador do Projeto Colabora, e Marceu Vieira, um dos colaboradores

Marina Dias, da Pública

Luiza Sansão, da Ponte

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