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JORNALISMO DE DADOS

Por Evelin Azevedo,
Isabela Giantomaso
e
Thâmily Alves 

Fazer jornalismo nos dias atuais exige alguma pesquisa profunda na internet, cruzamentos, checagens e, muitas vezes, lidar com tabelas ou interpretar dados. Porém, falta instrução sobre jornalismo de dados nas faculdades brasileiras, e são escassas as obras de referência. Assim, estudantes e profissionais procuram formação em cursos como o da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji. Em 2016, o curso online de jornalismo de dados teve 1.186 inscritos, dos quais 821 se identificaram como jornalistas já formados e 365 como universitários de comunicação social.

O jornalista Fabio Vasconcellos, um dos responsáveis pelo blog Na Base dos Dados, do jornal O Globo, acredita que uma disciplina sobre jornalismo de dados nas grades curriculares das universidades brasileiras daria ferramentas básicas de apuração que podem ser usadas em qualquer reportagem. Fábio, que também é professor universitário, separa algumas das aulas das disciplinas que ministra na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) do Rio de Janeiro para comentar sobre o assunto:

 – Ensinar jornalismo de dados é uma forma de dar ao aluno autonomia para trabalhar. Será comum num futuro próximo que os profissionais tenham novas habilidades para além de saber entrevistar e escrever.

 Sob coordenação do jornalista Tiago Mali, também coordenador de cursos da Abraji, a Associação lançou em 2013 o livro Manual do Jornalismo de Dados em parceria com o EJC, European Journalism Centre.  O objetivo é trazer informação a qualquer pessoa que queira entender como fazer Jornalismo de Dados. O material, traduzido do inglês, teve cinco capítulos na versão brasileira: um sobre a parte histórica, outro sobre a Lei de Livre Acesso à Informação, dois capítulos dedicados a casos e relatos e o último um infográfico sobre jornalismo de dados.

Para Mali, o jornalista que não possui esse conhecimento está perdendo, pois deixa de passar informação com mais exatidão para os leitores:

– A contribuição da Abraji é de treinar essas pessoas, que muitas vezes não têm esse tipo de conhecimento, para que elas desenvolvam suas habilidades, e consigam ali ter não digo nem mais vantagem, porque começa a virar uma necessidade.

O jornalismo de dados é mais do que qualquer grupo de números reunidos em uma planilha. É um jornalismo tradicional que soma ferramentas científicas, utilizando softwares para cruzar informações e encontrar documentos. Jornalismo de dados, ou jornalismo de precisão, significa trazer valores exatos sobre determinado acontecimento. Trata-se de um jornalismo denso, com profundidade.

O jornalismo de dados se confunde com RAC, Reportagem com o Auxílio do Computador. Não são todos que distinguem os dois termos, mas há teóricos que fazem uma distinção. Para eles, RAC é uma técnica que pode ser usada para ajudar o jornalista a encontrar dados para uma reportagem – ou seja, na apuração –, enquanto o jornalismo de dados é a maneira como os dados são apresentados ao leitor na reportagem.

Com a promulgação da Lei de Livre Acesso à Informação, LAI, pelo governo federal, em 2012, no Brasil, tornou-se obrigatório que a União, estados e municípios disponham todos os dados sobre a administração na internet. O movimento de liberação de dados iniciou-se nos Estados Unidos, em 2009, e logo se expandiu pelo mundo. O jornalista Tiago Mali explica que desde então o Jornalismo de Dados conseguiu se consolidar:

– Em um intervalo muito curto, de 2, 3 anos, uma quantidade muito grande de informações começa a ser colocada ali na rede e corre o mundo todo. Saímos de uma área de escassez e fomos para uma área de abundância, que tem muitas bases de dados à disposição dos jornalistas. Assim, eles podem fazer consultas que, além de contar grandes histórias baseadas nesses bancos de dados, podem abrir a base de dados para que os próprios leitores, os próprios usuários façam consultas personalizadas.

Segundo levantamento de 2016 do portal Comunique-se, 1.400 jornalistas foram demitidos em 2015, no país. As redações estão cada vez mais vazias e com mais jornalistas que trabalham com duplas ou mais funções. Somado aos cortes, também há a pressa pelo furo da reportagem e pelos múltiplos deadlines. O repórter checa cada vez menos as informações que foram trazidas por suas fontes, na opinião do jornalista Tiago Mali.

– Através dos portais da transparência, dos portais de base aberta, você consegue confirmar se aquilo é verdade, se faz sentido ou não, facilitando as coisas para o leitor, e entregando um serviço muito melhor do que simplesmente pedir que ele confie em um lado ou em outro. Então, você entrega a informação de uma maneira muito mais objetiva, muito mais confiável, e sem precisar ficar dependendo de fontes, que muitas vezes, ou quase todas as vezes, têm algum interesse na divulgação ou não de uma informação – argumenta Tiago.

Fact-checking dentro do Jornalismo de Dados

O blog Preto no Branco, do jornal O Globo, identificou que 52% das informações nos discursos dos candidatos à Presidência do Brasil em 2014 tinham algum grau de informação indevida. Para a jornalista Cristina Tardáguila, que trabalhou no blog e atualmente é diretora da Agência Lupa, foi surpreendente descobrir esses erros.  

O termo fact-checking surgiu em 1991, quando o jornalista americano Brooks Jackson precisou checar se todos os dados citados nos discursos dos candidatos à Presidência, nos Estados Unidos, eram verdadeiros. No Brasil, o blog Preto no Branco, do jornal O Globo, foi o primeiro a trabalhar com checagem de discursos políticos, em 2014. A Agência Lupa surgiu em novembro de 2015, como a primeira agência de checagem brasileira, com o objetivo de confirmar as informações que circulam nas redes sociais, nos sites de notícias e nos próprios jornais.

Fundada por Cristina Tardáguila, a Agência Lupa tem alguns critérios para escolher aquilo que vai ser checado, além de categorizar as informações. Segundo a jornalista, o principal critério é ser um tema de interesse nacional, comentado por pessoas de relevância e que possam ter um fato real na tomada de decisão do cidadão.

– O jornalista sempre tem muito interesse em fazer matéria para outro jornalista ler, e aqui a gente tenta lutar muito contra isso. A gente está escrevendo para o senhorzinho que está andando lá na esquina. A gente está escrevendo para melhorar o nível de informação do brasileiro médio – comenta.

No mundo, mais de 80 agências optam por usar ou não categorias de checagem, buscando ou não uma padronização. O veículo argentino Chequeado possui 8 passos dos quais considera como boa checagem, entre eles escolher uma frase da esfera pública, consultar a fonte original e buscar fontes alternativas. Já o Polifact Americano, possui 6 classificações: true (verdadeira), mostly true (na maior parte verdadeira), half true (meia verdade), mostly false (na maior parte falsa), false (falsa), pants on fire (“calças no fogo”, uma expressão usada quando o discurso é tão absurdo, que não há checagem).

Já a Agência Lupa utiliza 8 etiquetas: verdadeiro; verdadeiro, mas; ainda é cedo para dizer; exagerado; contraditório; insustentável; falso e de olho. Para Cristina, há vantagens e desvantagens em ter as etiquetas:

– Nós temos as etiquetas e usamos com responsabilidade. Não necessariamente só publicamos matérias usando etiquetas, e também não deixamos de publicar matérias só porque não existe uma etiqueta que encaixe perfeitamente. Temos uma que é de monitoramento, o “Estamos de Olho”, coisas que estamos observando, sobre as quais não há uma conclusão fechada.

Uma matéria publicada no telejornal da GloboNews sobre microcefalia, checada pela Agência Lupa, gerou discórdias entre grupos partidários do PT e do PSDB, criando posteriormente forte repercussão nas redes sociais. A Lupa afirmou que o discurso do ex-ministro da saúde, Marcelo Castro, era falso, pois dizia que os dados da doença eram inquestionáveis.

– Ao longo de vários meses ficamos acompanhando a divulgação de informações de microcefalia e nós concluímos que havia uma divergência entre o que os estados divulgavam e o que o Ministério divulgava. E fizemos exatamente isso, demos um “Falso” para o ministro, porque havia sim uma fragilidade. Afinal de contas, quem tem razão, as informações emitidas pelas secretarias estaduais ou aquela emitida pelo Ministério? – questiona Cristina.

Como qualquer veículo e agência de comunicação, a Agência Lupa é passível de erros humanos. A jornalista Cristina explica que toda informação checada é anexada com hiperlinks, que servem de apoio para o leitor.

– É muito comum que o lado afetado por aquelas informações se rebele. Mas tem reclamações que entendemos que são feitas nesse sentido, porque afetou alguém em que você acredita, alguém em que você confia, e tem reclamações que apontam falhas reais, falhas de jornalismo, falhas de apuração técnica. Isso é muito comum também, porque o checador também pode errar – observa.

A Lupa é uma empresa independente, sem vínculo partidário, nem de sindicatos e de ONGs. Ela tem CNPJ próprio, e é hospedada no site da revista piauí, para a qual Cristina trabalhou (leia também reportagem sobre a piaui). A agência é administrativamente independente da revista e da Folha de S.Paulo, que hospeda o site da piauí. Atualmente, a Lupa faz parte do jornal Globo News, no programa da jornalista Cristiane Pelajo. A ideia, de acordo com a fundadora, é ocupar todos os tipos de veículos de comunicação.

– Geramos um produto de checagem, e é de nosso interesse que ele seja transformado nas mais diversas modalidades. Um mesmo material pode ter uma leitura, pode ser escutado na rádio, pode virar um podcast, pode virar um videomotion nas redes sociais ou pode virar uma coluna em TV. Então a ideia é ocupar todos estes espaços usando o nosso material – esclarece Cristina.

Para Cristina, por este ano de 2016 a sociedade brasileira viver um momento atípico na política, e o interesse por checagens nesse assunto pode ter se tornado maior, mas ela identifica outras frentes em checagem.

A jornalista participou em novembro de 2014, na Argentina, de um evento que reúne checadores de diferentes veículos de comunicação, com o objetivo de compartilharem suas experiências. O evento é organizado pelo veículo Chequeado. Na época, Cristina trabalhava no blog Preto no Branco. Ela conta como essa participação a influenciou:

– Eu voltei de Buenos Aires com várias ideias, porque eu vi que o fact-cheking poderia ser muito maior e mais amplo do que a checagem política. Foi nessa mistura, que eu percebi que há um mercado interessado em comprar checagens e há um mercado para onde crescer, que eu fui montando pouco a pouco o que seria a Agência Lupa.

Longe da política

Apesar de estar mais evidente na cobertura política, o jornalismo de dados também começou a crescer nas editorias de cidade, cultura e esporte. O blog Na Base dos Dados é o núcleo de Jornalismo de Dados do jornal O Globo e surgiu em 2014 motivado pela quantidade de base de dados disponíveis para acesso após a disseminação do conceito de Open Government.

A página produz reportagens variadas, alinhadas às pautas que estão sendo produzidas pelo jornal e também visando os assuntos que estejam no calendário da cidade, do estado e do país. As matérias podem ser pensadas pela equipe do blog, formado pelos jornalistas Fabio Vasconcellos e Gabriela Allegro, ou então encomendadas pelas demais editorias do jornal O Globo.

Segundo Fabio, as bases de dados são fundamentais para a produção do blog: 

– Os dados, para nós, são como os entrevistados numa reportagem. Eles precisam existir e precisam querer falar, caso contrário não temos reportagem.

O trabalho do Na Base dos Dados pode ser apresentado em diversos formatos em seu blog. Os dados retirados das base abertas podem sem apresentados através de reportagens munidas por análises, gráficos e infográficos. A equipe também produz projetos especiais como o questionário interativo “Partido do ‘você não me representa’”, que possibilita aos leitores descobrirem com que partido político se identificavam.

Também saindo do foco no Congresso e nos discursos oficiais, a editoria Futdados, no globoesporte.com, busca entregar um conteúdo diferenciado para o leitor e torcedor que acessa o portal de notícias da Globo.com. Coordenada pelo jornalista Rodrigo Breves, a equipe produz reportagens para a página do fantasy game Cartola FC, além de publicar textos trabalhados com base no Jornalismo de Dados para o blog Numerólogos e o hearder “Espião estatístico”.

Segundo Breves, que foi convidado para coordenar a editoria em 2009 após o lançamento do Cartola, o Jornalismo de Dados em uma cobertura esportiva pode ajudar a reforçar que a reportagem é exata e objetiva e não envolve uma análise pessoal do jornalista. No entanto, a confusão ainda acontece entre os torcedores mais fanáticos.

– O público tem a dificuldade de entender que não é uma opinião. As pessoas acham que você tem uma visão clubista em cima de um dado objetivo. Essa paixão clubista costuma prejudicar o entendimento das pessoas – explica.

Na editoria Futdados, formada por 10 pessoas, entre elas um estagiário, o trabalho de apuração e checagem de informações é feito com o auxílio de diversas planilhas e uma equipe terceirizada que envia um relatório para a redação com os principais dados dos jogos. De acordo com Breves, as matérias surgem com as partidas e lances das rodadas. Diariamente, uma reportagem é publicada no blog do Cartola FC e as outras páginas recebem novos textos a medida que surge uma boa ideia possível de análise, checagem e apuração.

Em 2009, uma matéria com base no Jornalismo de Dados feita pela editoria do globoesporte.com ganhou destaque mesmo em outros veículos fora da Rede Globo. O texto buscou analisar a altura média dos jogadores convocados para a Copa do Mundo de 2010 e ajudou a começar o processo de disseminação do trabalho na empresa. Segundo Breves, o uso de dados no jornalismo feito pela equipe de esporte ainda é pequena, mas já há quem veja o processo com outros olhos:

– A gente mesmo tem dificuldade aqui dentro do Globo de conseguir fazer com que outras áreas enxerguem valor, não é tão simples. Tem muita gente das antigas no esporte, principalmente em TV e rádio, e esses caras têm uma dificuldade em querer deixar a novidade entrar. Mas cada vez a gente tem conseguido plantar umas sementinhas na TV Globo e em outras áreas da empresa, e acho que tem surtido efeito.

Futuro do JD

O jornalismo de dados tende a crescer no Brasil nos próximos anos. A Abraji regularmente oferece cursos relacionados à área. O próximo será o de SQL , de “Structured Query Language”, ou Linguagem de Consulta Estruturada, uma linguagem padrão de gerenciamento de dados. O treinamento vai ensinar uma técnica de pesquisa em grandes bancos de dados, sendo possível fazer o cruzamento de informações. Serão três semanas de aulas on-line, ministradas pelo jornalista Rodrigo Burgarelli.

Para os profissionais que já atuam na área, a expectativa é de um futuro promissor. Segundo Fabio Vasconcellos, o Jornalismo de Dados vai contribuir para a melhoria do jornalismo praticado no Brasil:

– Vejo com otimismo o futuro. Acho que, num médio prazo, o Jornalismo de Dados vai se disseminar não necessariamente só nas grandes redações, mas principalmente nas menores e em agências especializadas em trabalhar com produção de informação a partir de dados. Nesse sentido, quando falo em se disseminar há dois caminhos. O primeiro de o Jornalismo de Dados ser incorporado às rotinas da produção das redações. A segunda dimensão é do aprofundamento do Jornalismo de Dados. Nesse caso, passaríamos a fazer trabalhos cada vez mais arrojados e específicos.

Para Rodrigo Breves, do globoesporte.com, o Brasil ainda engatinha com o Jornalismo de Dados, muito diferente do trabalho que as redações norte-americanas fazem. Segundo ele, o jornalista dos Estados Unidos já tem os dados enraizados quando começam a fazer a pauta, o que pode ser muito importante para o exercício da profissão:

– É importante que todas as redações trabalhem com o Jornalismo de Dados. É uma área que dá retorno, rende matérias boas e com conteúdo, que é o que a gente tem que buscar como jornalismo.

Dicas para trabalhar com dados

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