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65 anos de história

  • Júlia Dutra e Rayssa Ranauro
  • 30 de jun. de 2016
  • 9 min de leitura

O jornal O Dia chegou às bancas no dia 5 de junho de 1951, criado pelo deputado do Estado da Guanabara Antônio de Pádua Chagas Freitas, com o intuito de atender a seus interesses partidários. Na época, O Dia era rodado no equipamento gráfico de outro periódico carioca, o jornal A Notícia. O jornal, de forte apelo popular, era conhecido como “espreme e sai sangue”, devido à quantidade de notícias policiais, muitas vezes de caráter sensacionalista.


– Era um jornal que vendia muito, mas com pouco compromisso com a verdade, com os fatos, com a veracidade. O noticiário era bem fantasioso, a ponto de ter uma matéria sobre um assassinato em que se dizia que as pessoas gritavam “Não me mate!”. O repórter só poderia saber disso se fizesse parte da chacina, né? – lembra o jornalista Eucimar Oliveira, que participou da mudança de perfil, desde os anos 1980.


Em 1983, o jornalista e empresário Ary de Carvalho comprou o veículo e contratou uma equipe de jornalistas. Dácio Malta foi convidado a ser o diretor do jornal, e, juntos, começaram a promover mudanças. Muito do objetivo da reforma era fazer com que O Dia passasse a competir com O Globo e o Jornal do Brasil no mercado local – diferentemente desses, o periódico só vendia em bancas e circulava apenas no Estado do Rio de Janeiro.

No fim da década de 1980, a reformulação editorial se fazia sentir: o rigor na apuração dos fatos e a preocupação com o leitor passaram a estar em primeiro lugar. O jornal passou a ser reconhecido como um prestador de serviços e útil para a comunidade carioca. Os salários melhoraram, e o “novo” Dia ampliou o mercado de trabalho para jornalistas no Rio. “Mexi conscientemente no Dia, a partir de 1987, movido pela busca de qualidade: uma palavra que, nos últimos tempos, vem invadindo todas as bíblias do empresariado com visão de futuro”, afirmou o empresário Ary de Carvalho (falecido em 2003) para o jornal da Associação Brasileira de Imprensa, em 1996.


A transformação trazida por Ary, que contagiou os funcionários, tornou O Dia um dos principais e mais importantes jornais do Rio de Janeiro na época:


O Dia revolucionou o jornalismo popular no fim dos anos 80. Antes dele, jornalismo popular era sinônimo de mortes, cadáver e sangue. O Dia mudou esse conceito e foi seguido por vários outros jornais do país. Nesse pacote, sempre estiveram incluídas capas criativas, bem-humoradas e às vezes indignadas – comenta o jornalista Humberto Tziolas, que entrou para equipe do Dia em 1995, ainda como estagiário.


“Foi um período muito interessante para o jornal,

que chegava a vender 1 milhão de exemplares”

– Eucimar de Oliveira, subeditor de O Dia na época


O início da década de 1990 marcou a tentativa do Dia de se estabelecer como um jornal de classe média. Em 5 de julho de 1992, a redação na Rua do Riachuelo, no Centro, ganhou computadores, paginadoras eletrônicas e um dos parques gráficos mais modernos da época. Com isso, o jornal passou a ser impresso em cores. Os investimentos somaram US$ 35 milhões.


– Dácio Malta foi quem começou essa mudança mesmo. Depois, foi o Marcos Sá Correa, a Ruth de Aquino e o Eucimar de Oliveira. Cada um desses profissionais foi estabelecendo mudanças, sempre seguindo o mesmo critério de um jornalismo bem-feito – conta o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, chamado em 1987 para criar e comandar o Caderno D, importante suplemento cultural do jornal.


“Em cerca de um ano, as transformações no jornal foram profundas”, diz Eucimar sobre o movimento de mudança, lembrando que houve certa resistência da redação que, na época, ainda estava acostumada ao modelo antigo do jornal:


– Foi uma situação complicada. Havia jornalistas muito bons, mas o caldo de cultura da redação era esse, então para transformar isso, reeducar a redação, ser vigilante das matérias... Isso deu muito trabalho, mas foi conseguido.


Nessa época, foram criados ainda um Departamento de Arte – o jornal foi um dos primeiros a dar importância aos infográficos, abrindo-lhes espaços generosos – e a Editoria Executiva, ou Filtro, como era chamado na redação. Ali ficavam os redatores responsáveis por cuidar da qualidade do conteúdo das reportagens e do estilo dos textos. Os editores agora tinham mais liberdade para fazer o trabalho que lhes eram designados. Com o tempo, começou a aparecer o resultado de um jornalismo mais aprofundado, com grandes reportagens, com investigação, e isso resultou em reconhecimento. Foram oito premiações importantes que sucederam essas mudanças, entre elas estavam o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa, Prêmio Vladimir Herzog, Veículo do Ano (1993), Top de Marketing 95 e o Malofiej, da Society os Newspaper Design.



– Foi um período muito interessante para o jornal, que chegava a vender 1 milhão de exemplares. Ganhou muitos prêmios importantes: Prêmio Esso, Prêmio Vladimir Herzog – conta Eucimar Oliveira, que retornou ao Dia em 1992, depois de passar pela TV Globo, para participar dessa segunda reforma. Ele saiu do jornal novamente em 1996, convidado pela concorrência para lançar o Extra, jornal popular do Grupo Globo, e retornaria em 2005, para criar o Meia Hora.


“O Dia sempre foi aonde outros jornais não iam.”

– Alexandre Freeland, ex-diretor de redação do Dia


Com a estruturação, O Dia se tornou o único jornal brasileiro com seis edições diárias regionais. Além disso, passou a ser considerado um laboratório para estudantes de Segundo Grau e de universidades, que visitavam diariamente a redação. Alexandre Freeland, jornalista que esteve 17 anos no jornal, também comenta o sucesso do periódico:


O Dia sempre foi aonde outros jornais não iam. É essa combinação de diversas editorias e de diversas qualidades que sempre fez o Dia um jornal relevante. Não foi pelo temático. Ele oferecia esse mix bem bacana. Do esporte à economia, passando pela polícia, pela televisão, pelo entretenimento, pela oferta – conta.



Alexandre Freeland

Foto: LinkedIn


Contava também a autoestima e o engajamento dos jornalistas da casa:


– A equipe do Dia sempre foi muito dedicada e apaixonada pelo jornal. É como o jogador de futebol que defende seu time do coração – conta o jornalista Humberto Tziolas, hoje na equipe do jornal Meia Hora.


“A equipe do Dia sempre foi muito

dedicada e apaixonada pelo jornal”

– Humberto Tziolas, editor-chefe do Meia Hora


No início da década de 90, O Dia dedicava espaço a colunas que aproximavam o leitor do poder público. Em Pergunte ao Prefeito, leitores mandavam cartas ao prefeito fazendo reclamações, críticas, dando sugestões. Além desta, havia a coluna Você é o Juiz, em que semanalmente eram ouvidas por telefone as opiniões de leitores sobre assuntos polêmicos, como a ação do Exército nos morros, a pena de morte. O Você é o Juiz chegou a registrar até 18 mil chamadas em uma só pesquisa.


O ‘Caderno D’ e as outras editorias


Criado pelo jornalista Joaquim Ferreira dos Santos – ex-JB – em 1987, O Dia D, caderno destinado à cultura no Dia, se firmou com um perfil único e particular entre os cadernos de cultura, pautado no humor.

– No Caderno D a pauta era essa: assuntos populares, tentando fazer com que alguns assuntos não tão populares tivessem uma levada, uma tradução popular. Então a gente falava de uma boa música brasileira, de uma boa música internacional, mas com um sotaque mais popular, mais gostoso... Com humor, com uma edição e com pautas inesperadas – conta o ex-editor do caderno.


Havia ainda, nos fins de semana, os segmentos Casa e Mulher e Televisão, todos integrados com o mesmo espírito de particularizar o produto e diferenciá-lo dos que já havia no mercado.


– Todo mundo via que ali estava se fazendo um trabalho de qualidade. Era uma preocupação também que as pautas tivessem humor, que a edição tivesse humor, tivesse graça. Que fosse legal, fosse direito, fosse profissional, mas que usasse de uma irreverência que os outros jornais, porque estavam dentro de um padrão de sofisticação, não podiam ter. Então a gente abusava do humor nessas pautas, na edição, no texto – explica.


Joaquim Ferreira dos Santos

Foto: Ana Paula Oliveira

Criação do ‘Meia Hora


O crescimento de O Dia na direção do público de classes B e A acabou gerando uma reação da concorrência. O Globo, sentindo-se ameaçado, lançou o Extra, em 1998, para poder competir com O Dia entre o público das classes C e D. E contratou justamente Eucimar de Oliveira para o projeto. Em uma tentativa de contra-ataque, O Dia reconvida Eucimar para criar também um jornal mais popular. E lança, assim, o Meia Hora.


– Eu criei o Meia Hora porque O Dia, nesse período, queria fazer um upgrade, mas não podia ficar desprotegido na faixa mais popular, né? Então, para não perder esse público... Tem toda uma questão jornalística e toda uma questão econômica nisso, né? Você não pode perder o que você tem, você tem que tentar manter. Então, como O Dia ia se mover um pouco para cima, ter um upgrade, eu criei o Meia Hora para segurar um pouco o público mais popular e não deixar que as pessoas do Dia migrassem para o Extra – conta Eucimar.


O Meia Hora veio em formato tabloide, com circulação matutina de segunda a sexta-feira. Ele foi fundado em 2004 e tinha também o objetivo de suprir uma lacuna no mercado editorial carioca. Ele visava um leitor com poucos recursos e também com pouco tempo para ler um jornal – é desse conceito que vem o nome Meia Hora de Notícias.


O jornal Meia Hora ganhou redação própria, no mesmo prédio dos demais veículos do grupo. Com o slogan “Nunca foi tão fácil ler jornal”, a campanha de lançamento do Meia Hora começou a ser veiculada no dia 10 de setembro, implantando um novo conceito para se ler jornal na cidade: a rapidez.


O jornalista Humberto Tziolas foi o convidado para assumir a sua edição:

– Eu era subeditor de Polícia do Dia em 2005, quando fui chamado para ser editor do Meia. Foi uma alegria muito grande pra mim. A receptividade do público foi total desde o início. Maior prova disso é que o jornal é hoje o mais lido do Rio – conta.


As sucessivas mudanças de curso e a limitação orçamentária diante do concorrente mais rico, porém, levaram O Dia a perder a queda de braço. Perdeu um público mais popular para o Extra e para o próprio Meia Hora, cria da casa, e não conseguiu atingir a meta de disputar mercado com O Globo no seu mercado. “O Globo é uma máquina publicitária enorme, e deu uma parada no Dia – comenta Joaquim.

Humberto Tziolas/Facebook


Ary de Carvalho: a grande mente por trás do crescimento do jornal


Movido pelo lema “fazer um jornal melhor todo dia”, Ary de Carvalho conseguiu mudar o aspecto e o conteúdo do periódico e também transformar o jornal numa empresa moderna e eficiente.


Quando Ary morreu, em 2003, mudaram os rumos do jornal que comandava. A partir daí, O Dia nunca mais seria o mesmo. Passou às mãos de suas três filhas – Ariane, Eliane e Lígia – e, em 2010, foi comprado por US$ 75 milhões pela empresa portuguesa Ejesa – que edita o jornal Brasil Econômico. No Brasil, o grupo é comandado por outra grande empresa das telecomunicações: o grupo Ongoing.


Ary de Carvalho nasceu em 1934, em São Paulo, em um município chamado Birigui. Ele se mudou para a capital aos 14 anos para continuar seus estudos. Porém, foi em 1955 apenas que sua jornada como jornalista começou. Trabalhou em um jornal do bairro onde morava – a Folha de Pinheiros –, mas foi no jornal Última Hora que começou a crescer na carreira.


Do Última Hora, em São Paulo, foi para o Última Hora do Paraná e, depois, para o Última Hora de Porto Alegre. As suas três filhas nasceram em estados diferentes por causa dessas mudanças. Com o fechamento do jornal de Porto Alegre, ele lançou o Zero Hora. E, em 1970, quando decidiu vendê-lo, mudou-se para o Rio de Janeiro.


No Rio, dirigiu O Jornal, mas, logo depois, saiu para virar diretor-editor da Última Hora Carioca. Em 14 de outubro de 1983, Ary Carvalho comprou O Dia. Ele era casado com Marlene Carvalho e deixou três filhas e quatro netos.



A crise do grupo Ongoing e do Dia


Hoje é difícil saber qual será o futuro de um dos jornais que marcaram a história da cidade do Rio de Janeiro. Paralelamente à crise no mercado de impressos, o grupo português Ongoing, responsável por diversos veículos no país de origem e de O Dia e do Brasil Econômico no Brasil, se viu afundado em uma dívida avaliada em 30 milhões de euros – cerca de R$ 126 milhões –, e teve publicações penhoradas pelo Fisco português. Começaram a atrasar pagamentos de salários de jornalistas e fornecedores. Não demorou muito para que a atingisse os veículos controlados pela empresa no Brasil. Em agosto de 2015 começou uma série de demissões no jornal carioca, que culminaram em maio último com a do diretor de redação Aziz Filho e de em uma greve dos funcionários (leia mais em Dívidas sem fim).


“O Dia ficou muito indeciso. Houve

muitas modificações, algumas delas improvisadas,

e ele foi perdendo público. Mas isso é uma tragédia que se abate sobre todo o jornalismo impresso”

– Eucimar Oliveira, ex-diretor do jornal e criador do Meia Hora


Eucimar comenta que a crise está atrelada, ainda ao avanço do consumo de notícias pela internet, que afetou todos os veículos impressos:


– Eu vejo os jornais da mesma forma. Eu acho que O Dia ficou muito indeciso. Houve muitas modificações, algumas delas um pouco improvisadas, e ele foi perdendo público, foi perdendo leitor. Não tem jeito. Mas isso não é uma tragédia que se abate só sobre O Dia, isso é uma tragédia que se abate sobre todo o jornalismo impresso.


Eucimar se mostra mais pessimista ao falar do futuro dos jornais físicos. O jornalista acredita que a mídia digital veio para ficar e, consequentemente, para substituir esse modelo jornalístico. Ele ainda dá a sua opinião sobre os fatores que teriam levado a essa crise:


– Os jornais não se modernizaram, não buscaram novas formas de fidelizar e conseguir novos leitores, e, assim, ficaram muito vulneráveis à concorrência da mídia digital, que provavelmente é o caminho inevitável que vai desaguar no funeral da mídia impressa – comenta.


 
 
 

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Este site foi desenvolvido por alunos do Laboratório de Jornalismo do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, sob a coordenação da professora Itala Maduell, no primeiro semestre de 2016.

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