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Dívidas sem fim

  • Agatha Meirelles, Paula Laureano e Roberta Rocha
  • 28 de jun. de 2016
  • 6 min de leitura

Em paralelo à crise do Rio de Janeiro, o jornal O Dia, o mais identificado com o estado, também agoniza, com crise econômica, erros de gestão, sequência de demissões, salários atrasados e queda de circulação de 210 mil para 31,6 mil exemplares em menos de 15 anos.

Às vésperas do evento esportivo mais importante do mundo em 2016, o governo do Rio de Janeiro decretou estado de calamidade pública. Na educação, já são 110 dias de paralisação, superando a greve de 1989, que durou 90. Os estudantes, em apoio à causa dos professores, chegaram a ocupar 40 escolas. Na saúde, hospitais estão sem leitos, sem limpeza e sem materiais básicos, e profissionais concursados e terceirizados também estão sem receber. Na segurança, policiais militares também estão sem receber salários. Em paralelo, o jornal O Dia, o mais identificado com o estado, também agoniza. Segundo o Instituto Verificador de Circulação (IVC), em 2002, a média de circulação do jornal era de 210.499 exemplares. Em 2015, esse número caiu para 31.674.


No caso estadual, o rombo nas contas públicas está na casa dos R$ 19 bilhões. O preço do barril do petróleo, que nos últimos dez anos chegou a valer US$ 110, em 2015, caiu para US$ 40. À queda na arrecadação dos royalties que constituíam a maior renda bruta do Estado do Rio, somam-se os abalos provocados pela investigação da Petrobras na Operação Lava-Jato:


– A Petrobras está no olho do furacão, quebrada. São R$ 500 bilhões em dívidas. Quando o preço do petróleo cai, o royalty do estado, que se acostumou com esse dinheiro, cai também. Além da crise brasileira e a crise do petróleo, que não tem nada a ver com a do país, a sede da Petrobras é no Rio. Isso afeta diretamente o movimento econômico do Estado – afirma o especialista em finanças Luiz Brandão, diretor da Escola de Negócios da PUC-Rio.


A fim de viabilizar a realização dos Jogos Olímpicos, o governo federal destinará R$ 2,9 bilhões para a finalização da linha 4 do metrô, para pagar horas extras de policiais e para os salários dos servidores, um alívio que os jornalistas também esperavam quando O Dia foi comprado pelo grupo português Jornal Econômico S.A. (Ejesa). Em maio de 2016, o Grupo Ejesa negociou a venda das publicações O Dia, Meia Hora e Brasil Econômico com o empresário Mário Cuesta, dono do Diário de São Paulo, que em 2015 já havia adquirido o portal iG. Espera-se que, assim que assumir o jornal, o empresário ponha em dia o pagamento dos funcionários do Grupo.


Além do colapso dentro das fronteiras do Rio de Janeiro, o cidadão enfrenta uma crise a nível nacional. O poder de compra, impulsionado pelos governos Lula e Dilma, diminuiu e o brasileiro vê-se atolado de dívidas. O ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) caiu em torno de 10% nos últimos 12 meses, segundo a Secretaria de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro. A baixa arrecadação dos royalties de petróleo e de ICMS, esta última corroborada pela crise no Brasil, e a insanável situação da Previdência Social são as principais razões que fizeram o governador em exercício, Francisco Dornelles, decretar estado de calamidade pública.


Já no caso do jornal, as dívidas somam mais de R$ 250 milhões, entre débitos com funcionários, fornecedores e impostos. Os reflexos econômicos nacionais e estaduais atingem o jornal assim como a todos os outros setores. Contudo, no caso específico de O Dia, a má administração ao longo da história agrava o cenário de crise. Como consequência, ele perde suas três fontes de renda: a publicidade privada, a pública e a receita proveniente dos leitores.


– Por causa do incentivo por parte do governo do PT no crédito e no financiamento, as pessoas se endividaram. Elas não podem mais pagar as dívidas. Isso, associado ao desemprego leva a crise no consumo, que leva a perda de receita do Estado. A perda de receita leva a perda de investimento, que leva a perda de emprego, que resulta em um menor poder aquisitivo. Menor poder aquisitivo faz com que o cidadão prefira comprar o leite do filho ao jornal na banca – resume o jornalista Nelson Moreira, que trabalhou por mais de 20 anos no jornal, salientando que a decadência de O Dia é resultado de um processo econômico complexo.


Nelson Vasconcelos, ex-editor executivo do O Dia, também credita à crise no poder de compra, e à queda significativa de vendas do jornal:


Jornalista Nelson Vasconcelos

– O próprio servidor, com salário atrasado, não vai pagar a escola do filho. O funcionalismo público no estado é muito pesado. Se deixar de receber o salário, o cidadão vai cortar o jornal, o cinema, uma série de produtos – afirma Vasconcelos.


O pouco interesse do setor público e privado em investir no jornal também é motivo para a decadência. Nelson Moreira aponta que, sem dinheiro em caixa, o investimento em publicidade é o primeiro gasto a ser cortado pelos empresários:


– O anunciante tem menos dinheiro porque a loja dele está vendendo menos. Logo, ele deixa de gastar dinheiro com anúncio – conclui.


O investimento do governo em publicidade é o grande trunfo da maioria dos jornais brasileiros. Não era diferente com O Dia. Segundo o jornalista Aziz Filho, ex-chefe de redação, as prefeituras de todo o estado, que antes injetavam dinheiro na publicação, quebraram em decorrência das crises do petróleo e do país:


– Muitas prefeituras têm dívidas com o jornal, que chegam ao montante de R$ 20 milhões. Daria para pôr todos os salários em dia. Quando muda prefeito, um não quer pagar o que o outro fez, nem quitar os débitos – explica Aziz.


Diferentemente de outros veículos, O Dia dependia de forma mais contundente da publicidade institucional. Isso acabou por diminuir a credibilidade do próprio jornal em relação aos seus leitores, que não viam com bons olhos a insistência da publicação em vangloriar os feitos do Estado do Rio. Nelson Moreira conta que chegou a ser censurado para se adequar aos interesses governamentais:


– Na época em que escrevia o editorial no jornal, o diretor de redação quis censurar algumas coisas, por exemplo não atacar pessoas ligadas ao governo do Estado. Não deixavam fazermos uma denúncia sem escutar todos os secretários e dar a eles. Dessa maneira, nós perdemos leitores, porque perdemos credibilidade. O jornal O Dia virou praticamente porta-voz do Governo do Estado em relação às UPPs, por exemplo, mas a população mais pobre não tem muita simpatia pela polícia. Para se ter uma ideia, em 2010 era proibido fazer denúncia contra as UPPs – revela Moreira.


O jornalista cita ainda que o caderno O Dia no Estado, que circulava aos sábados, só publicava releases de prefeituras. Era editado fora da redação e integralmente pago pelos governos municipais.


Dentro da redação, o cenário não era menos conturbado. Profissionais sem receber faziam o melhor possível para manter o jornal nas bancas. Segundo Aziz Filho, os jornalistas trabalham sob pressão, encurralados entre a vontade de lutar pelos salários e o medo de que uma greve pudesse prejudicar a circulação de O Dia. Eles não queriam ser responsáveis por acelerar o processo de desmonte da empresa:


Jornalista Aziz Filho

– Muitos, eu inclusive, foram demitidos com quatro salários atrasados. Os últimos salários nem foram integrais. Estamos sem receber desde janeiro. A redação está em um clima de assembleia permanente. Trabalhando, mesmo com o salário de todo mundo atrasado. É uma redação muito lutadora – conta Aziz Filho.


Para ele, a crise no jornal começou com o lançamento do Meia Hora, em 2004, pelo mesmo grupo. Com o Jornal do Brasil deixando de circular em papel, em 2011, o grupo acreditou que O Dia poderia ocupar o espaço que o JB deixava, ou seja, atender o público das classes A e B no Rio. Já as classes C e D seriam atendidas pelo Meia Hora. Contudo, O Dia acabou perdendo o próprio público.


– O Meia Hora passou a publicar, de forma reduzida, matérias que eram publicadas pelo Dia, principalmente, as de esporte. Então, o consumidor que comprava O Dia por causa do esporte, por exemplo, deixou de comprar porque o Meia Hora é mais barato – lembra Nelson Moreira.


Além da perda de espaço entre a classe C e D, que era o principal público de O Dia, para o Meia Hora, o jornal também já vinha sofrendo com a concorrência do Extra, lançado pelo Grupo Globo em 1998. As mudanças no tom das matérias também contribuíram na desvalorização do jornal: em 2004, o Meia Hora surge para competir com o Extra, enquanto O Dia tenta se qualificar para ocupar o espaço do JB, que já perdia força na época. Quando O Dia vê que o público da classe A e B não o reconhece como um jornal qualificado, ele volta a se popularizar. Nelson Moreira conta que há uma brincadeira entre os jornalistas que associa o jornal ao cantor Michael Jackson:


O Dia é o “jornal Michael Jackson”, porque ele nasceu preto, tentou ficar branco e parou no meio. Não ficou preto, que era um jornal sensacionalista, e nem branco, como um jornal de excelência.


A troca de comando


O capital da Ejesa é dividido entre a família Mascarenhas Vasconcellos (70%), da ex-mulher de Nuno Vasconcellos, e o grupo Ongoing, também de Nuno. A lei brasileira proíbe que a participação de capital estrangeiro em uma empresa de comunicação de massa supere 30%, e Nuno é português. Por esse motivo, nomeou a ex-mulher como sócia majoritária.


Segundo fontes, em 2010, época em que Nuno ainda presidia a Ejesa, era ele quem injetava dinheiro em O Dia, por meio de seu banco português Espirito Santo, que quebrou em 2013. Soma-se à falência do banco uma briga entre o empresário e Maria Alexandra Mascarenhas de Vasconcellos, em 2012, que levou Nuno a parar, de vez, de injetar dinheiro no jornal.


 
 
 

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Este site foi desenvolvido por alunos do Laboratório de Jornalismo do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, sob a coordenação da professora Itala Maduell, no primeiro semestre de 2016.

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