Nos tempos dos estagiários
- Ana Luísa Pereira, Felipe Ariani e Raísa Lassance
- 25 de jun. de 2016
- 5 min de leitura

Uma marca que persistiu no tempo é o orgulho que os jornalistas têm de terem passado pela redação do Dia.
Trabalhar de vento em popa é o desejo de quem vive o dia a dia de uma grande redação. As ideias de pautas aparecem, a equipe se ajuda e todo dia existe a sensação de dever cumprido quando o jornal é enviado para a gráfica. Assim era o funcionamento de O Dia no início dos anos 1990, logo após a reforma gráfica que requalificou o periódico no mercado carioca. Todos os domingos, mais de um milhão de cópias eram vendidas em bancas. Porém, durante os vinte anos que sucederam a bonança, a tão comentada "crise do jornalismo de papel" mudou o panorama de quem vive fazendo a notícia. Salários atrasados, falta de perspectiva e insegurança com o posto laboral transformaram a redação em um espaço conturbado. E, para quem está iniciando a carreira estagiando nesse contexto, a experiência pode ser bem variada:
Na editoria Geral, Caio Sartori produz mais de um texto por dia

– Tenho autonomia de repórter e produzo uma quantidade enorme de reportagens, de vários assuntos. A experiência é bem enriquecedora nesse sentido – conta Caio Sartori, estagiário do jornal O Dia atualmente. No outro lado da questão está a sobrecarga: – Sempre passo um pouco da hora. Principalmente as sextas, acontece de só finalizar tudo perto de 22h – completa.
Uma particularidade do programa de estágio de O Dia, que persiste desde a década de 1990 até hoje, é a proximidade do iniciante em relação aos chefes e a autonomia para fazer matérias que vão efetivamente sair no jornal. Renata Amaral aprecia essa abertura que tem na rotina de produção:
Renata Amaral valoriza o clima de harmonia dentro da equipe do Dia

– Minha relação com meu chefe é ótima. Ele senta do meu lado. É uma relação super aberta e tranquila. Aqui o estagiário tem total liberdade e muita responsabilidade também. É muito melhor para aprender do que ficar em um lugar em que você só observa, não pode pôr a mão na massa, ou tem muitas restrições.
A responsabilidade de quem estagia no jornal não é algo recente. Desde o momento de auge nas vendas, quem iniciava a carreira jornalística já tinha funções imprescindíveis. A jornalista Paula Autran foi uma das que passou pela redação no início da década de 1990. Na época, ela dividia o tempo como estagiária em O Dia e O Globo. No primeiro, ela lembra ter total autonomia para produzir as matérias, mas no outro precisava ir acompanhada de um repórter.
– Naquela ocasião, eu aprendi muito mais no meu estágio no Dia do que no Globo. Porque no Dia, eu efetivamente trabalhava. No Globo, muitas vezes eu saía com pessoas com pouca experiência. Sinceramente, às vezes eu me sentia melhor do que a pessoa com quem eu saía.
Na década de 1990, impulsionado por uma reforma gráfica, O Dia tentava ganhar espaço na concorrência contra os outros jornais cariocas. Paula Autran viveu dentro do jornal a migração de grandes nomes do Jornal do Brasil para O Dia, e explica as mudanças que eles trouxeram à redação:
– Quando eu fui trabalhar lá, essa nova equipe tinha acabado de fazer uma reforma. Era uma reforma feita por uma pessoa que tinha vindo do JB, jornalistas do JB, que fizeram uma mudança total no jornal. E ele continuou sendo um jornal popular, isso que foi interessante.

A eufórica redação dos anos 1990: (da esquerda para a direita) Raquel Almeida, Martha Mendonça, Paula Autran, Razane Monteiro, Marcelo Santos Moreira, Peninha (Carlos Vasconcellos), Everton Silva Lima, Renata Fraga, Mirtes Guimarães (abaixada), Tim Lopes. Atrás, Geraldo Mainenti e José Carlos Pelosi
A internet ganhou força no mercado de notícias no final do milênio passado e principalmente no início dos anos 2000. Álvaro Gribel estagiou no jornal durante o período em que o jornalismo online de O Dia dava os primeiros passos. O objetivo do jornal na época era se transformar em uma alternativa para o público A e B, e houve uma modernização e um investimento para ocupar esse espaço, até então ocupado pelo JB, que, em crise financeira e administrativa, havia sido vendido ao empresário Nelson Tanure, e acabou deixando de circular em 2011. A visão otimista no jornal era contagiante:
– A redação era nova e reformada. Com o JB falindo, existia a pretensão de O Dia se igualar ao Globo, e isso motivava as pessoas – explica Álvaro.
Hoje, além de repórter da coluna da jornalista Míriam Leitão, no Globo, Álvaro Gribel é cantor e compositor.

As funções do estagiário não mudaram muito durante os anos. A diminuição de custos de produção, que substituiu grandes nomes da redação por jovens que ganham menos, é uma tática recorrente dos grupos de comunicação hoje. Isso tornou a função de estagiário uma mera nomenclatura, já que quase sempre o trabalho exercido é o de repórter.
– Desafio tem o tempo todo quando você está ali estagiando. Você tem que topar tudo. Ainda mais em uma redação. Não pode ficar escolhendo muito – resume Álvaro.
Propor pautas, ir para a rua e todas as atividades associadas a contar uma história é o que os estagiários fazem. Com a chegada das novas mídias, eles agora ainda têm que dedicar tempo para cuidar de redes sociais, páginas da web e conteúdo digital:
– Além de produzir reportagens, eu tenho que atualizar o site. Então coloco lá tudo o que for relevante – treinos, coletivas, jogos, etc. No fim de semana, a gente faz as crônicas dos jogos – conta Renata Amaral, que atualmente estagia na área on-line de esporte de O Dia.
O Dia resiste para não seguir os passos do JB e se tornar mais um jornal impresso fechado, mas os passaralhos (demissões massivas) consecutivos se tornam um desafio à manutenção do jornal. Formada na PUC-Rio, a repórter Gabriella Mattos, efetivada depois de estagiar no jornal, conta sobre como é difícil no aspecto emocional acompanhar a redação ficando mais vazia, algo para o qual nenhum profissional é preparado:
– O primeiro passaralho que vi foi o mais difícil. Vários jornalistas que trabalhavam aqui há anos, alguns há mais de vinte anos, foram demitidos no mesmo dia.
E se essa passagem no tempo através da visão dos estagiários já foi maravilhosa, imagina poder conhecer como foi à história de crescimento de alguém que começou como estagiário e chegou a editor chefe? Alexandre Freeland dedicou 17 anos da sua vida profissional ao Dia, desde a entrada como estagiário em 1995, aos 23 anos. Ele passou por todas as posições da cadeia produtiva de um jornal, até chegar a diretor de redação em 2008, função que cumpriu até 2012 (leia a entrevista completa com o jornalista).
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