Essos do ofício
- Bernardo Borges
- 24 de jun. de 2016
- 7 min de leitura

Não é só de trabalho que vivem os jornalistas, mas de prêmios também. Para eles, ganhar um prêmio é um dos momentos mais emocionantes e prestigiantes da carreira. No jornal carioca O Dia não poderia ser diferente: diversos repórteres premiados passaram por lá e conquistaram visibilidade através do trabalho que desenvolveram.
É o caso, por exemplo, do alagoano Carlos Nobre Cruz, que, entre 1987 e 1991, tempo em que trabalhou em O Dia, conquistou quatro prêmios, inclusive um Esso, considerado como um dos troféus mais importantes do jornalismo brasileiro.
Sempre atento aos temas sociais, Nobre emplacou reportagens ligadas a temas como cultura negra, opressão, ditadura militar e escravidão.
– O primeiro troféu que ganhei em O Dia foi um troféu chamado Enugabarijó, que é um troféu afro. É de um grupo chamado Instituto de Pesquisa e Cidadania de Língua e Cultura Iorubá, na Baixada Fluminense. Em 1988, fiz uma série de reportagens sobre a religiosidade na Baixada: entrevistei mães e pais de santo e líderes do candomblé. E acharam que aquela série de reportagens foi importante para dar visibilidade à religiosidade, tirando-a da marginalidade e dando cidadania aos religiosos – orgulha-se Nobre.
No mesmo ano, o jornalista, que é professor da PUC-Rio, escritor e pesquisador, foi premiado pela Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais (Fenaj) por uma matéria sobre os cem anos da abolição da escravatura, comemorado em 1988.
Para ele, essa foi a matéria que deu mais prazer durante a produção, porque ali se permitiu “analisar com profundidade a sociedade brasileira em relação à questão dos direitos afros”. E destaca: “depois de cem anos, a questão racial continuava praticamente a mesma”. Planejado como um caderno de oito páginas, o especial foi um dos trabalhos que mais marcaram a vida de Nobre como repórter:
– Foi muito importante para mim, porque o caderno foi utilizado em escolas, em aulas de história e em outros setores como ONGs e fundações. Foi marcante.
A conquista de maior reconhecimento e prestígio do jornalismo brasileiro, o Prêmio Esso, veio em 1989, com uma série de reportagens sobre a greve dos metalúrgicos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), considerada a maior empresa do ramo no país.
– Na época havia 20 mil metalúrgicos trabalhando na CSN, em Volta Redonda, no Sul Fluminense, e eles decidiram entrar em greve. Eles fecharam a cidade e o Exército interveio, matando três operários. Aí eu fui acordado e fui para lá, ficando 17 dias cobrindo o movimento.
Segundo o jornalista, esta cobertura da greve demonstra a forma como a imprevisibilidade do cotidiano pode render boas reportagens.
– Ali ainda estávamos em uma sociedade autoritária, naquele ano voltariam as eleições diretas, e acontecer algo como aquilo foi uma coisa gravíssima. A matéria teve a maior repercussão daquele ano no Brasil.
Enquanto Carlos Nobre ganhava o Prêmio Esso pela série de reportagens sobre a greve e as mortes dos operários da CSN, João Antônio Barros, que anos depois chegaria ao posto de repórter mais premiado do jornal O Dia e ocuparia a quinta posição entre os mais premiados do país, dava os primeiros passos na profissão no jornal diário Última Hora.

Criado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, João Antônio Barros trabalhou durante 30 anos como jornalista. Focado na apuração de reportagens sobre direitos humanos, corrupção política e policial e transgressões dos direitos civis, Barros acumulou 28 prêmios. Todos frutos de seu trabalho durante 24 anos (de 1991 a 2015) de atuação no jornal O Dia. Por causa deles, Barros alcançou o cargo de repórter especial C4, o maior cargo da redação. Segundo o jornalista, o período em que ele ficou no O Dia foi o “momento mais feliz de sua vida”. Entre as conquistas, estão prêmios jornalísticos nacionais e internacionais: Esso, Embratel, Libero Badaró e Vladimir Herzog. Além disso, o êxito alcançado na carreira rendeu a ele o prêmio Maria Moors Cabot Prize, oferecido pela Universidade de Columbia, em Nova York.
As matérias premiadas das quais João Antônio Barros mais se orgulha e destaca são Pelotão de Assassinos (1993), Os 162 Carélis da Polícia (1996), O Preço da Liberdade (1999), Homens de Ouro nos Anos de Chumbo (2001), Máfia das Vans (2003) e Dossiê Milícia (2008). Segue abaixo o resumo dos diversos elementos que algumas dessas reportagens envolveram, desde a escolha de pauta até o processo de apuração. Pelotão de Assassinos
A matéria conquistou o Prêmio Vladimir Herzog de 1993, mostrando que quase 300 policiais militares integravam os grupos de extermínio no Rio e, apessar de responderem a sindicâncias e inquéritos policiais, continuam trabalhando normalmente. João Antônio Barros chegou a este tema depois de presenciar nos jornais, por diversas vezes, o envolvimento de PMs com grupos de extermínio. Ele resolveu juntar os casos, descobrir quem são esses agentes e a que respondem, para poder produzir uma matéria que agradasse e fosse interessante para os leitores do jornal.
- O que a gente mostrou nessa matéria diferente dos outros veículos foi a participação forte, ostensiva mesmo, vamos dizer assim, de Policiais Militares. Deu nome aos bois, mostrou pessoas que estavam trabalhando, estavam na rua normalmente, mas que participavam de grupos de extermínio e respondiam a crimes de homicídio. Foi um trabalho árduo, foi um trabalho de quatro meses de apuração, composto não só por mim, mas por uma equipe de três repórteres. E a gente foi documentando e conseguindo construir ali todo esse cenário de como funcionava, ali na Baixada Fluminense, os clubes de extermínio, que contavam com a participação dos PMs - conta.
Os 162 carélis da Polícia
Talvez uma das mais importantes e mais bonitas da carreira de Joanto, a matéria “Os 162 Carélis da Polícia” mostrava as 162 pessoas desaparecidas no Rio de Janeiro entre os anos de 1990 e 1995, após serem presas por policiais. Pela tamanha importância com que se apresentou, ela rendeu a conquista de três prêmios em 1996 para Barros, sendo dois nacionais - os prêmios Esso e Vladimir Herzog - e um internacional - Prêmio SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa).
- Ela foi importante porque conta a história de pessoas, de gente, de famílias, quase sempre muito humildes, e que, sem justificativa nenhuma – poderiam até estar em locais suspeitos – foram detidas pela Polícia e nunca mais apareceram. E houve um envolvimento muito grande das famílias, as famílias realmente participando e ajudando. Então foi um trabalho que teve um grau de dificuldade, porque levantar em corregedorias não é uma coisa tão fácil.
Segundo Barros, a ideia para a matéria começou com o desaparecimento do funcionário da Fiocruz Jorge Antônio Carelis, de 30 anos, após ele ter sido confundido com um sequestrador na Favela da Varginha, em Manguinhos, na Zona Norte do Rio, e levado pela Divisão Anti-Sequestro, a DAS. Desde então, ele nunca foi mais visto e as pessoas próximas a ele nunca mais tiveram notícias sobre ele. Mas o jornalista, não esqueceu do caso e, ao tomar conhecimento de outros casos semelhantes de pessoas que foram levadas pela Polícia, desapareceram e nunca mais foram vistas, Joanto resolveu dar continuidade às investigações e descobrir que outras pessoas foram vítimas deste tipo de “desaparecimento”.
- Eu já tinha visto isso em Registro de Ocorrência e tive uma percepção a partir daí. Pedi um tempo para o jornal para apurar se isto de fato aconteceu ou não, fui na pesquisa do jornal e comecei a olhar se tinha alguma coisa, vi outros casos e pensei: opa, isso vai render. Aí pedi autorização ao jornal, fui pra corregedoria, e consegui checar documentos tanto na corregedoria da Polícia Civil quanto da PM. Aí fui pra delegacia da Divisão de Homicídios, comecei a consultar e verifiquei mais casos. Aí juntei os casos, entrevistei certas famílias e minha matéria foi construída a partir disso - esclarece.
No entanto, João Antônio Barros acredita que matérias como estas seriam muito difíceis de serem publicadas e apuradas nos dias de hoje. - Hoje, eu diria que uma matéria como essa seria praticamente impossível, porque as corregedorias estão muito mais fechadas do que estavam na época. Na época, você conseguia acessar as corregedorias e você conseguia pegar dados. Hoje tá cada vez mais difícil pegar os dados, lamenta.
Dossiê Milícia

A única matéria forte, em que os repórtes do jornal O Dia receberam ameaças foi a série de reportagens intitulada “Dossiê Milícia”, publicada em 2008 e que apresentava um levantamento sobre quem comandava a milícia em tal região e o patrimônio que era associado a eles, o que revelava que os membros destes grupos criminosos estavam ficando milionários.
Apesar de não ter ganho prêmios em solo nacional, a matéria rendeu a Joanto e seus companheiros de reportagem um prêmio da Comissão Europeia de Jornalismo, em 2009. Como motivo para a matéria não ter ganho prêmio no Brasil, Barros acredita que isso deveu-se ao fato da forte pressão do jornalismo nacional, que estigmatizou a relação entre O Dia e as milícias.
- Não ganhou prêmio aqui, porque ali na época havia uma forte pressão do jornalismo brasileiro, que é a questão do O Dia com as milícias. Teve uma equipe do jornal O Dia que foi infilitrada no alto de uma favela para fazer matéria, a equipe foi descoberta e acabou sendo abdida. Enfim, houve até tortura e tudo mais. Eu acho que O Dia ficou estigmatizado naquele momento com a milícia e, aí, jamais a gente ganharia matéria - conta. Segundo João Antonio, a produção da matéria demorou quase quatro meses e foi conseguida graças à informação dada por uma fonte.
- Eu tive a informação de uma pessoa da Secretaria de Segurança de que os milicianos estavam ficando ricos. Aí reuni quem eram os chefes das milícias e fui fazer a pesquisa de bens dele. Aí começou a aparecer. A gente olhou Búzios, Cabo Frio, Angra dos Reis, Mangaratiba, tinham vários lugares. Aí partimos pra outro caminho que era tentar achar indícios de que eles tem casas nessas regiões, aí é procurar em listas telefônicas. Aí fui juntando as informações e construÍ a matéria - relembra.
Importância dos prêmios

Ganhar prêmios é o momento de consagração para qualquer profissional, importância que Joanto percebeu logo após ter sido premiado pela primeira vez dentro de O Dia, em 1993.
– É impressionante isso. Um prêmio alavanca a sua carreira de uma forma louca. Assim que você ganha um prêmio faz um boom na sua carreira, e as pessoas passam a reconhecê-lo, passam a lhe dar mais valor, e você consegue conquistar mais espaço dentro da empresa. E isso é fato: se você chega com uma matéria hoje sem ter prêmio e eu chego com uma matéria hoje com uma carreira de prêmios, a minha matéria tem mais ouvidos na redação, as pessoas conseguem ouvir mais a minha matéria, eu consigo emplacá-la mais fácil e ter mais espaço para essa matéria – observa.
Fora de O Dia desde agosto de 2015, João Antônio Barros ocupa a chefia de gabinete da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) e utiliza os fins de semana para tocar um projeto com um grupo de jornalismo investigativo on-line: a Agência Pública.
Com vontade de voltar à redação, seja on-line ou impressa, Joanto, apelido dado pelos seus companheiros de trabalho em O Dia, sonha em lançar um livro sobre os esquemas do jogo do bicho:
- É a apuração mais longa que tenho na vida. Ela começou logo que eu entrei no jornalismo, em 1986, estou até hoje apurando e nunca escrevi nada sobre isso. Desde que saí do Dia estou pensando no livro sobre jogo do bicho, que até hoje está engarrafado, está lá guardado.
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