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O 'coadjuvante'

  • Catherine Schmid e Davi Raposo
  • 27 de jun. de 2016
  • 5 min de leitura

Este jornal carioca vendia cerca de 350 mil exemplares no início da década de 1990, e era o de maior circulação entre todos os jornais do país, com 1,7 milhão de leitores no Estado do Rio – cada jornal era lido por cinco pessoas, em média. Isso tudo sem programa de assinatura, ou seja, era uma escolha diária das pessoas. Com uma histórica reforma editorial, e com profissionais experientes e iniciantes que hoje estão entre os melhores do mercado, buscou expandir seu público, concentrado nas classes C e D, para a classe B e, até, uma parcela da A. No boom da era digital no jornalismo, foi o primeiro a implantar a paginação eletrônica no Rio de Janeiro, e o terceiro em todo o país, depois de o Estado de Minas e Folha de S.Paulo. Ainda lançou edições regionais, depois copiadas por vários outros veículos. Apesar dos seus feitos, O Dia é costumeiramente mencionado como o terceiro jornal do Rio,depois de O Globo e do Jornal do Brasil.


De fato, foge ao olhar acadêmico e midiático a profusão e a potência que O Dia tem no cenário jornalístico brasileiro. As motivações e razões para isso são inúmeras: políticas, mercadológicas ou puramente editoriais. Nesta reportagem, procuramos ouvir especialistas em mídia impressa brasileira e jornalistas que passaram por diversas épocas da multifacetada redação de O Dia para compreender esse fenômeno que cria uma injustiça à memória do jornalismo carioca.


'O Dia' e os outros

O jornal O Dia surgiu em 1951, com o então deputado estadual Chagas Freitas. Com uma abordagem sensacionalista dos fatos, voltada para a cobertura policial, e grande apelo da população periférica da Região Metropolitana do Rio, o diário de notícias tornou-se um sucesso de vendas. Essa mesma diretriz regeu o jornal por quase 40 anos e rendeu a eleição de Chagas Freitas à Câmara em outubro de 1954 pela legenda do PSP.


Na mesma época em que O Dia passava pela tangente com suas matérias sobre crime, os outros jornais do Rio de Janeiro travavam uma disputa sobre a situação do então presidente da República Getúlio Vargas. À medida que se intensificava a crise política do governo Vargas, O Globo acirrava a oposição ao presidente encampando a tese do impeachment proposta pela UDN e participando da intensa campanha que a imprensa movia contra o jornal situacionista Última Hora, de Samuel Wainer.


O Jornal do Brasil, que na época mantinha uma posição discreta, com alguma simpatia pelo candidato Eduardo Gomes, não encampou as campanhas oposicionistas radicais de Carlos Lacerda. Com o suicídio de Vargas e a posse do vice-presidente João Café Filho, o JB apoiou o novo governo, mas sem participar das campanhas eleitorais. O jornal também teve nessa época uma grande reforma devido à morte e afastamento de importantes nomes da diretoria. A reestruturação do Jornal do Brasil, com a criação de suplementos e cadernos, fez com que ele ganhasse mais importância no cenário jornalístico carioca a partir de meados dos anos 1950.


Jornal popular de qualidade

Foi nessa mesma época que surgiram as “cadeias de comunicação” e, com elas, os grandes barões da imprensa. Segundo o professor e pesquisador da UFF João Batista de Abreu (foto), os donos da imprensa no Brasil que gostavam de se nomear doutores tinham um espírito de megalomania que se refletia na compra de edifícios imponentes para constituir as redações de seus veículos. Em O Dia não foi diferente: Ary Carvalho, dono da Última Hora, comprou o veículo e quis fazer do jornal uma publicação de prestígio destinada à classe média. A mudança, que poderia ter sido um fracasso, foi bem-sucedida de acordo com João Batista, isso porque as mudanças não foram feitas de forma drástica:


Ary de Carvalho

– Ary Carvalho chamou o Dácio Malta, um jornalista que era chefe de reportagem no Jornal do Brasil, por volta de 1987. O jornal deu uma guinada, mas não foi da noite para o dia, foi mudando paulatinamente e pegou um público que era do JB, que já estava entrando em declínio, e do Globo também.


O jornalista Orivaldo Perin passou pela redação do Dia na época de sua reformulação com o Dácio Malta. Um pouco antes, durante a campanha de Diretas Já, ele trabalhava na sucursal carioca da Folha de S.Paulo, acompanhando a cobertura local. Com o Jornal do Brasil se isentando do embate com Paulo Maluf, muitos jornalistas do veículo foram sentindo que o jornal havia se vendido. Foi nessa época que Ary de Carvalho, querendo fazer frente ao jornalismo de qualidade do Jornal do Brasil, contratou um time de jornalistas de peso. O projeto inicial fracassou, mas Ary de Carvalho insistiu comprando o jornal O Dia para levá-lo adiante.


­­– O Ary tinha o sonho de poder. Afinal, o que adiantava ter o jornal mais lido do Rio de Janeiro e quando ele ligava para Brasília ninguém queria falar com O Dia? Ao contrário do Globo e do Jornal do Brasil, ele não tinha o prestígio do Estado e nem da União. Então ele seduziu um dos jornalistas mais influentes do Brasil, Dácio Malta, e o novo contratado me chamou para ser chefe de redação e fechou também com o Eucimar Oliveira para integrar esse time que levantaria O Dia para um status de jornal sério – conta Perin.


Jornalista Orivaldo Perin

Jornalista Orivaldo Perin


Dos novos contratados para chefiar a redação do jornal, apenas o Eucimar tinha alguma experiência com diários populares. Perin afirma que houve uma profunda pesquisa de campo para descobrir o perfil do leitor do Dia, mas também do não-leitor:


– Essa pesquisa foi feita e confundiu mais a gente. Ela acabou reforçando o perfil do leitor, que gostava do jornal por ser popular, mas quem não lia simplesmente não tinha a menor avaliação do jornal. O Dia era desprezado como leitura por essas pessoas.


Nesse momento O Dia apostou forte em colunas opinativas, como a do então jornalista Miro Teixeira – atualmente deputado federal pela Rede/RJ, e as matérias começaram a passar por um processo de apuração mais intenso, com maior aprofundamento. O Caderno D (de cultura) também passou por mudanças (leia mais).

O grande desafio do Dia, segundo Perin, era justamente ser o jornal popular que vendia 300 mil exemplares ao dia e também mostrar um conteúdo jornalístico que chamasse a atenção do Congresso Nacional. O jornalista refletiu durante a conversa se era possível criar um jornal popular de qualidade. Sendo uma realidade ou não, foi a tentativa de Dácio Malta e equipe, para saciar o antigo anseio do dono Ary de Carvalho de se equiparar aos concorrentes Jornal do Brasil e O Globo.


Se o alcance de jornais populares é maior em relação aos chamados veículos quality papers, é justamente por ser um jornal popular que O Dia apareceu em pesquisas sobre a imprensa brasileira de forma bem mais tímida. Um exemplo disso é a ausência de trabalhos sobre O Dia no site Domínio Público, plataforma de teses e dissertações brasileiras. O Dia não aparece na pesquisa, enquanto O Globo tem 22 menções, o extinto Jornal do Brasil 11 e o também jornal popular Extra, duas. A coleção do jornal, que circula há 65 anos, sequer está disponível na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.


Segundo João Batista, uma das marcas da pesquisa da imprensa no Brasil é associar a imprensa a grandes questões nacionais, e como O Dia não tinha esse perfil, ele não foi priorizado:


– Houve tempos que o Chateubriand nomeava ministros em Brasília. Os jornais fizeram história por representar poderes econômicos que ora estavam no poder e ora eram oposição.

 
 
 

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Este site foi desenvolvido por alunos do Laboratório de Jornalismo do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, sob a coordenação da professora Itala Maduell, no primeiro semestre de 2016.

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