As estratégias de marketing
- Giulia Rotstein e Yulli Dias
- 16 de jun. de 2016
- 5 min de leitura
Conhecido pelo slogan "Melhor todo dia", o jornal O Dia foi o primeiro jornal full color do país, ousou na linguagem, criou cadernos regionais para falar diretamente com o leitor do interior do estado, fez mudanças de formato, avançou no segmento esportivo com o caderno Ataque, fez promoções e realizou eventos. Essas foram algumas das estratégias utilizadas pelo jornal O Dia durante décadas, visando atrair o público e prestígio em um cenário de crise do jornalismo impresso, que se aprofundou num cenário dominado pelas novas mídias.
O mais importante reposicionamento foi o de imagem: nas primeiras décadas, o veículo era conhecido como um jornal sensacionalista, “espreme-e-sai-sangue”, que só noticiava tragédias:
– As pessoas mais velhas aliavam O Dia a um jornal que só noticiava mortes, assaltos, estupros, e começaram a se assemelhar aos tabloides, jornais populares que eram distribuídos gratuitamente. E nessa época ele começou a vender muito, tinha mais leitores do que a Folha de S.Paulo – lembra o redator e publicitário Ronaldo Conde, responsável durante anos pela área de marketing do Dia, e que esteve presente na reforma gráfica e editorial do jornal em 1987.
Com esta reforma, o jornal passou a adotar um novo enquadramento das matérias, num tom mais sério, menos chocante, e visando prestar serviços a certos setores da cidade: “O Dia deixou de ser sanguinário e passou a ter mais qualidade”, resume o publicitário, hoje dono da Agência 11/21.
Nos anos 1990, nova virada seria planejada. No domingo 5 de julho de 1992, chegou às bancas O Dia estabeleceu uma nova era para os jornais diários em sua edição dominical. Pela primeira vez o jornal carioca, que antes era consumido basicamente por leitores das classes C e D, agora adentrava em um novo mundo. O Dia seria o pioneiro na cidade do Rio a circular em cores (leia em Da era das cores para a era das capas).

A partir dessa reforma, fica consagrada a transformação do jornal, que deixou sua velha imagem e se tornou um dos mais modernos do Rio. Essas mudanças trouxeram ao O Dia um aumento nas vendas aos domingos, passando de 300 mil para 480 mil exemplares, o que pôde comprovar a boa recepção que essas mudanças trouxeram para sua imagem (leia mais em O 'coadjuvante'). O jornal, que era voltado para a venda em banca, lançou ainda um programa de assinaturas, com o intuito de atingir leitores das classes A e B, que assinavam seus concorrentes O Globo e Jornal do Brasil.
Outra inovação do grupo foi focar numa cobertura regional. Em 2004, passou a circular com três capas diárias, com edições focadas no estado, na capital e nos municípios da Baixada Fluminense. A iniciativa abriu portas para que o jornal pudesse criar um vínculo mais forte com seus leitores, reforçadas por ações de marketing. Publicitário, professor da PUC-Rio e fundador da Empresa de Comunicação Mídia1, Antônio Jorge Alaby Pinheiro, que trabalhou por mais de 10 anos no Dia, afirma que eventos como palestras, seminários e debates organizados pelo jornal durante os anos 1990 e 2000 foram fundamentais para fidelizar o público-alvo:

– Sendo um veículo local, o jornal acaba tendo uma supremacia com o público regional. Adotamos a estratégia de liderar eventos, seminários, ciclos de palestra, debates, com temas relevantes para aquela comunidade, e acabamos conquistando uma relevância interessante.
Antônio Jorge lembra que o jornal fez ainda uma campanha agressiva para tentar se posicionar como concorrente de O Globo, incluindo inserções no programa Globo Repórter, da emissora do mesmo grupo, por três meses.
– Nesse momento, ficou claro que o jornal buscava seu espaço, uma identidade com o público de diferentes veículos, a fim de atrair novos leitores – comenta Antônio Jorge (foto).
Contragolpes da concorrência e problemas de gestão, num cenário de crise econômica e particularmente do mercado jornalístico, atingiram o jornal. O Globo contra-atacou lançando o Extra, para atender o segmento popular, e O Dia sentiu o baque.
No dia 15 de março de 2009, O Dia trocou o formato standard pelo berliner, adotado por veículos europeus. O modelo, apontado como de leitura mais prática, reduziria os custos com papel. A mudança não foi bem recebida pelos leitores, culminando na volta para o modelo padrão. O passo, para Ronaldo Conde, acentuou o declínio do jornal. Antônio Jorge concorda, e lembra que o jornal não fez uma devida pesquisa com seu público-alvo antes da reforma gráfica:
– Pelo fato de o jornal impresso ser um veículo tão tradicional, uma mudança abrupta de seu formato sem aviso prévio aos consumidores pode trazer insatisfações. O jornal deve estar certo de que seus leitores vão se adequar à mudança. Faltou trabalhar isso numa campanha, mostrar aos leitores as vantagens dessa reforma.

Nos últimos anos, dificuldades financeiras atingem todos os setores da empresa e chegaram a afetar diretamente a publicação do jornal, que não circulou nos dias 25 de dezembro de 2015 e 1º de janeiro, por economia.
Uma das últimas ações da área de marketing do jornal envolveu estudantes de publicidade da PUC-Rio, no segundo semestre de 2014. Conde propôs aos alunos de Planejamento Publicitário que criassem estratégias de marketing para que O Dia pudesse voltar a atrair e conquistar novos leitores. A turma foi dividida em grupos que deveriam apresentar suas propostas. A aluna do oitavo período Luisa Rêgo, de 22 anos, conta que a ideia principal de seu grupo foi tentar dar mais espaço para o público. Além disso, ela afirma que o trabalho foi muito interessante para a carreira de um futuro publicitário, visto que elas receberam um feedback do jornal.
– Apesar de estarmos sempre escutando que os jornais vão acabar, foi a primeira vez em que nos deparamos com um caso real de um jornal carioca que foi considerado um dos melhores durante anos. Nós pudemos pôr em prática o que aprendemos na faculdade para tentar ajudar a tornar o jornal mais próximo do seu público novamente – comenta a aluna.
Entretanto, apesar das várias propostas apresentadas pelos alunos e dos feedbacks que receberam, nenhuma das estratégias foi efetivamente adotada. A crise financeira impediu que fossem realizadas as mudanças sugeridas, apesar de algumas das estratégias realmente terem chances de ser adotadas.

Embora O Dia ainda seja marca forte no mercado, Ronaldo acredita que a saída para o atual cenário seria ficar apenas com o Meia Hora, um jornal que “paga o desafio”, de acordo com o publicitário, mas não o suficiente para arcar com as dívidas acumuladas. Ele lembra que os investimentos na área de comunicação estão encolhendo, gerando problemas para os jornais, rádios, que ainda enfrentam a concorrência da internet. As grandes verbas direcionadas aos jornais desapareceram, trazendo problemas para as próprias agências, que não conseguem obter lucro:
– Eu não vejo saída para O Dia, nem vejo muita saída para o jornal impresso. O Globo só está se aguentando porque faz parte de um grupo que tem como aguentar a crise. Eles também estão sofrendo, reduzindo investimentos em eventos. Jornal não é evento, é informativo, mas é o que os está segurando: os anunciantes estão parando de anunciar – conta.
Antônio Jorge, por sua vez, acredita que ainda exista sim espaço para o impresso, desde que os veículos consigam se adequar aos tempos modernos: “O importante é a informação, o conteúdo do jornal. Deve-se investir em inovação no meio impresso”, afirma o professor, lembrando que os jornais têm a seu favor a credibilidade e a fidelidade dos leitores.
– A audiência e os investidores são o que mantém o jornal vivo, eles são pontos chave importantes para o sucesso de um jornal – afirma Antônio Jorge.
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